O primeiro-ministro apresentou a demissão ao Presidente da República – que tem agora o futuro do país nas mãos – após as mais recentes suspeitas de corrupção no Governo, que podem vir a resultar na instauração de um processo-crime contra si
António Costa não resistiu às suspeitas de corrupção em processo relacionado com a exploração de lítio e de hidrogénio em Portugal, tendo a Procuradoria-Geral da República desvendado “a invocação, por suspeitos, do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos”.
Sobre o caso, foram detidos, após buscas a gabinetes e escritórios de empresas e de departamentos governamentais, o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, um consultor próximo de Costa, Diogo Lacerda Machado, e o presidente da Câmara de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas, assim como dois executivos de empresas. Serão constituídos arguidos os ministros das Infraestruturas, João Galamba, e do Ambiente, Duarte Cordeiro; e também o ex-ministro do Ambiente, Matos Fernandes.
Após ter tomado conhecimento por parte da Procuradoria-Geral da República, garante Costa, este apresentou a demissão ao Presidente da República, tendo falado ao país horas depois. No discurso, mostrou-se “surpreendido” sobre a previsível instauração de um processo-crime contra si, assegurando estar “totalmente disponível” para colaborar com a justiça, em virtude de “apurar toda a verdade”, garantindo estar de consciência tranquila e de cabeça erguida. Negou ainda qualquer intenção em recandidatar-se. “É uma etapa da vida que se encerra”, proferiu.
Os cenários em cima da mesa
À data do fecho desta edição, Marcelo Rebelo de Sousa não tinha falado ao país quanto à sua decisão após a demissão de António Costa. Iria, ainda, reunir com os partidos com representação parlamentar – cuja maioria, publicamente, já pediu a realização de novas eleições – e com o Conselho de Estado. Porém, o cenário mais provável passará pela dissolução da Assembleia da República.
Recorde-se que aquando da última tomada de posse de Costa, o Presidente da República afirmou que não existe maioria absoluta sem António Costa. Ora, caso queira manter a coerência, a dissolução deverá avançar. No entanto, em plena discussão do Orçamento do Estado, assim que a demissão seja formalmente aceite, o Governo cairá, e com ele todas as propostas por aprovar. A não ser que aceite a demissão, formalmente, a partir de 29 de novembro, cenário que Marcelo Rebelo de Sousa admite, para salvar o Orçamento de Estado.
É então que surge a segunda solução, que passa por Marcelo pedir ao PS que forme novo Governo, com um primeiro-ministro interino até ao próximo sufrágio, onde Mariana Vieira da Silva, Fernando Medina ou José Luís Carneiro poderão ser alternativa. Em 2004, após saída de Durão Barroso, o PSD propôs Santana Lopes para o cargo, tendo o Presidente da República à data, Jorge Sampaio, aceitado.
Há ainda uma terceira possibilidade, a formação de um Governo de iniciativa presidencial, o desfecho menos plausível, ainda que tenha acontecido por três vezes, entre 1978 e 1980: o Presidente da República de então, Ramalho Eanes, nomeou Nobre da Costa, Carlos Mota Pinto e Maria de Lourdes Pintasilgo como primeiros-ministros, o que fez com que a revisão constitucional de 1982 travasse esta espécie de interdependência entre Belém e S. Bento.