A crise dos media esteve em destaque no 5.º Congresso dos Jornalistas, onde foram discutidas soluções para o modelo de negócio, que, depois de décadas a amparar-se na publicidade, “está absolutamente desestruturado”. Entre 18 e 21 de janeiro, os jornalistas uniram-se e lançaram “a primeira pedra do novo edifício do jornalismo”, sendo de extrema importância que se continue a construção desse caminho, segundo o presidente da comissão organizadora, Pedro Coelho
O 5.º Congresso dos Jornalistas realizou-se precisamente no ano em que se comemoram os 50 anos de democracia e liberdade de imprensa. Sob o mote ‘Jornalismo, Sempre’, durante quatro dias, tentou-se “encontrar soluções” para o futuro de um setor em crise, numa altura em que os problemas na Global Media enfatizaram as dificuldades. No entanto, a crise não começou com a destruição do grupo, “está entrada em todas as redações”.
Em entrevista ao Correio da Feira, o presidente da comissão organizadora, Pedro Coelho, falou do estado do jornalismo, da precariedade crescente e da ruína do modelo de negócio. “Antes da situação na Global Media, já várias situações não estavam bem. Há praticamente duas décadas que o modelo de negócio está absolutamente desestruturado”, diz, considerando “como determinante” a entrada de empresários no setor. “À medida que o tempo foi passando, o edifício foi ficando cada vez mais frágil, sobretudo com a entrada de um conjunto muito diverso de empresários, que não percebem nada do negócio do jornalismo. Esses proprietários contribuíram para contaminar ainda mais o edifício do jornalismo”.
De situação em situação, chegamos ao estado atual, “uma crise internacional”, cuja realidade negra é ainda pior no jornalismo de proximidade, que teve inclusive uma atenção especial por parte da comissão organizadora, autora de um périplo em que ouviu os profissionais que trabalham fora dos grandes centros urbanos. “Se identificamos a nível nacional o estado absolutamente calamitoso do jornalismo; o regional é bastante pior. Todas as situações de precariedade a que assistimos a nível nacional são muito piores no jornalismo das comunidades. Observámos situações absolutamente caricaturais, não sendo viável, nem digno o que ouvimos em muitos lugares”, salienta, referindo o caso de uma jornalista para ilustrar o panorama. “Uma jovem jornalista de uma rádio local que de manhã era jornalista e à tarde passava roupa a ferro. Parece invenção da nossa cabeça, mas infelizmente acontece em Portugal, no século XXI, numa região do interior. Não faz muito sentido que sejamos cúmplices desta indignidade e não podemos ser”, reforça.
Perante a realidade atual, são necessárias soluções, mas que não coloquem em risco a liberdade de expressão, o que se afigura o principal desafio. “O mercado português é frágil, não encontramos soluções alternativas para financiarmos o jornalismo e quando o jornalismo não se autossustenta, o edifício ético e o quadro de valores é posto em causa, porque na ânsia de se conseguirem receitas rápidas, a principal vítima é sempre o jornalismo. Por isso, temos de encontrar formas de o salvaguardar, mas não pode ser numa lógica de troca. Quem financia, não pode esperar algo em troca. O jornalismo não dá nada em troca. O único compromisso do jornalista é para com o público que serve e não para outros interesses”, deixa claro.
Posto isto, dada a urgência em encontrar “financiamentos absolutamente transparentes, nos quais os jornalistas e a sociedade se revejam”, para que quem financie “não fique dono do jornalismo”, Pedro Coelho adianta o que está em cima da mesa. “Se o jornalismo é um bem público, e foi isso que se discutiu no congresso, temos de arranjar forma de o financiar, como financiamos qualquer outro bem público. Só que, emerge a grande dúvida: depois os governos não ver querer ser donos do jornalismo? Por isso, há a possibilidade de financiar diretamente o jornalismo, em vez das empresas de comunicação social, até porque têm vários interesses. Mas também há a possibilidade de fazermos uma filtração, com critérios determinantes e objetivos para as empresas jornalísticas que possam vir a receber financiamento público. Tudo isto requer um grande trabalho a montante, ao nível das empresas e dos seus proprietários, e só depois de feito esse trabalho é que podemos pensar num modelo a consolidar. É neste estado de reflexão que estamos”, partilha.
Um grito de alerta
Os jornalistas reunidos no último dia do congresso aprovaram, por unanimidade, uma greve geral. Todos concordaram que é necessária parar. Deixar de dar notícias, de fazer diretos, abandonar as redações e as conferências de imprensa. “Se a sociedade ainda não percebeu para que serve o jornalismo, imagino que uma greve geral – se for um sucesso, que é o fundamental, para que sirva o propósito que a congeminou: um alerta para o estado do jornalismo – torne visível a causa do jornalismo. O jornalismo andou anos invisível. Os políticos de todos os partidos borrifaram-se para o jornalismo e não fomos suficientemente atrativos para mostrar que somos absolutamente determinantes”, opina.
A greve geral será apenas o ponto de partida, “o símbolo de unidade”, para que, a partir de então, possamos “tirar consequências e começar a construir”. “O edifício degradado precisava de ser demolido e demolimos, no congresso. Lançámos a primeira pedra do novo edifício. Agora, temos de o construir. Mas não vai crescer sozinho, temos de ser nós, jornalistas, a construir”, diz o jornalista da SIC, mostrando-se disponível para o primeiro passo, antes de passar o testemunho. “Não me podem pedir, enquanto presidente, que leve este barco de novo ou que seja a locomotiva de um comboio com muitas carruagens até ao próximo congresso. Não posso fazer mais do que o que já fiz”, afirma, deixando um aviso: “não tenhamos dúvidas que se não olharmos para o que temos e não utilizarmos este potencial de unidade, vai tudo abaixo, e corremos o risco de falarmos do mesmo no próximo congresso”.