Hoje, mais do que nunca, é fundamental encarar as cidades como espaços vivos, onde as pessoas não apenas habitam fisicamente, mas convivem social e culturalmente. Cidades que promovem encontros, fortalecem laços e criam afinidades, memórias e projeções de futuro. Para além dos elementos essenciais para a qualidade de vida, as cidades devem valorizar as suas (diversas) identidades, rompendo com os padrões mais tradicionalistas da visão cultural estratégica. Não basta encher salas, auditórios ou improvisar recintos apenas para cumprir agendas institucionais. É necessário criar contextos reais para essas experiências.
Pensar uma estratégia de desenvolvimento económico e social através da cultura implica questionar o que pretendemos transformar, qual o caminho que traçamos e como desejamos que os outros o percebam. Cada cidade carrega traços identitários característicos, uma essência que não desaparece. Mesmo num contexto de fluidez da sociedade contemporânea, mesmo que uma cidade desvie temporariamente da sua essência, esses referenciais permanecem nas suas ruas, fachadas, praças e, sobretudo, nas pessoas e nas memórias daqueles que por ali passam. No entanto, são as pessoas que, na verdade, conferem vida à identidade coletiva. Na atualidade é essencial encarar as potencialidades e especificidades da diversidade social, promovendo um efetivo contexto participativo que eleve o bem-estar social da comunidade, contribuindo para um pulsar característico, vibrante e autêntico.
É essencial repensar os conceitos e estratégias culturais, criando abordagens que integrem todo o ecossistema cultural. A cultura não deve ser apenas um ponto de partida, mas o ponto de chegada – um espaço de união, onde se cultiva um verdadeiro espírito de cidade e onde a democracia se manifesta plenamente. Acima de tudo, a cultura não pode ser instrumentalizada por interesses políticos ou subordinada a gostos pessoais. A cultura é um bem essencial: ensina-nos a refletir, a observar o mundo sob múltiplas perspetivas, oferecendo referências que atravessam gerações e permitindo que cada indivíduo, à sua maneira, veja, escute e formule as suas próprias conclusões. A cultura vai além de municípios que se tornam meros agentes culturais, esgotando e secando o tecido criativo e a capacidade humana de inovação, bem como o desenvolvimento de profissionais ligados à cultura e à criatividade.
O maior erro de qualquer cidade é encarar a política cultural como uma simples ferramenta de criação de eventos e festivais (de gestão pública), reduzindo-a a momentos de entretenimento e ocupação de tempos livres. Não há mal nisso; o problema é quando se resume a apenas isso. A cultura é um convite à reflexão, à partilha, à transformação e à construção de um tecido social mais criativo e dinâmico, apto a inovar a partir dos traços identitários e a desenvolver cidades mais ativas, vibrantes e atrativas.
Nesta primeira edição, partilhamos um artigo que traduz a experiência de Antonia Kuzmanic na cidade de Split, Croácia. Este texto ilustra a importância do setor cultural privado como um agente privilegiado de inovação e reflexão social. Mais do que uma política cultural centrada exclusivamente na produção de eventos, o (re)posicionamento institucional municipal de colaboração estreita com o terceiro setor revela-se uma estratégia significativa para o desenvolvimento económico através da cultura e da criatividade. A parceria entre os municípios e o setor cultural privado, assegurando efetiva liberdade artística e criativa, fora das redes institucionais, demonstra como a combinação de esforços pode promover um ambiente mais dinâmico e inovador, refletindo o verdadeiro potencial da cultura para transformar e enriquecer as comunidades.