Joana Teixeira, estrela do Académico da Feira, foi convocada para a sua terceira prova internacional de grande formato ao serviço da Seleção Nacional. Em cinco épocas no clube, apontou qualquer coisa como 268 golos, ajudando-o a sagrar-se, esta temporada, vice-campeão nacional. Uma das maiores referências do hóquei em patins concelhio, e cobiçada por clubes portugueses e espanhóis, tem um pé fora do Académico da Feira. A equipa deverá desmantelar-se, mas não por vontade das atletas ou do treinador, que não se reveem em muitas atitudes da direção, assegura a diplomada em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações, reiterando que a sua vontade é continuar a jogar no clube do coração
Não foi um acontecimento esporádico. A presença de Joana Teixeira na Seleção Nacional é um dado adquirido e poderemos ver a estrela do Académico da Feira representar Portugal no próximo Mundial, o segundo da carreira, brevemente em Itália.
Aos 25 anos, e após rejeitar convites dos maiores clubes portuguesas, mas também de equipas espanholas, as mais fortes do mundo, leva cinco ao serviço do emblema de Santa Maria da Feira, tendo apontado qualquer coisa como 268 golos, tornando-se numa das maiores referências, para miúdos, graúdos e para toda a comunidade, do Académico da Feira.
Não tendo qualquer histórico familiar ligado à modalidade, o hóquei em patins apareceu na sua vida muito cedo, através de uma demonstração do Académico da Feira na sua escola primária. Foi paixão… ao primeiro contacto e o entusiamo levou-a a pedir aos pais que a levassem aos treinos de patinagem. Ainda assim, durante alguns anos ‘dividiu-se’ entre o rinque e a piscina. No momento de decidir entre os patins e as braçadas, nem hesitou. “Andava na natação, mas chegou a uma fase em que tive de decidir e não tive qualquer dúvida”, recorda.
Fez a sua formação no Académico da Feira, mas viu-se obrigada a sair, para a Sanjoanense, na primeira época que fez enquanto sénior: 2016/17. “Havia uma regra de as meninas só poderem jogar com os rapazes até aos 17 anos. Nessa altura, o Académico da Feira ainda não tinha criado novamente a equipa sénior feminina e fui obrigada a sair. Fui para o clube mais perto… ainda estava a terminar o secundário”.
Após uma temporada em S. João da Madeira, rumou, nas duas seguintes, ao Carvalhos, até regressar a Santa Maria da Feira, há cinco épocas. Até então, são 268 golos marcados em quase centena e meia de jogos. Números – e principalmente desempenhos – que a elevaram ao pedestal de referência do clube.
Inevitavelmente, sente os olhares atentos, nomeadamente dos mais pequenos que começam a dar os primeiros passos na modalidade. “Penso que tenho sido a maior referência do clube, em seniores femininos, e isso reflete-se nas camadas jovens, mas é algo que fui desenvolvendo com trabalho, sem nunca pensar no que poderia vir a ser. Foi-se desenrolando”, prossegue.
Quanto às dezenas e dezenas de golos que já festejou, para uma atleta que diz nem sequer ser avançado, foram… simplesmente surgindo. “Tento trabalhar para ser uma jogadora cada vez mais completa. Não trabalho para a finalização. No hóquei em patins, as posições também são cada vez mais relativas, os bons jogadores fazem todas as posições, exceto guarda-redes, claro”.
As suas performances não despertaram somente os olhares atentos dos responsáveis federativos, mas também os dos clubes com ambições de erguerem títulos, um assédio que combateu e foi rejeitando muito devido ao facto de jogar no clube do coração. “Tive propostas de grandes clubes, mas o facto de jogar ‘em casa’ foi sempre mais forte, até por estar perto da minha família”, desvenda.
Na temporada que agora termina, foi a primeira ao serviço do Académico da Feira em que não atingiu a fasquia dos 50 golos, algo que está relacionado com o aumento do nível de competitividade e exigência da modalidade em Portugal. “Esta época foi bastante exigente. Tínhamos muitas equipas a um nível aceitável, com exceção do Benfica, claro… com quem tentámos combater aquela diferença de golos que há uns anos era bastante acentuada. Entre o 2.º e o 7.º lugar, as equipas são muito equivalentes e isso reflete-se, também, no número de golos marcados e sofridos”, detalha a internacional portuguesa.
Foi a época que mais a desafiou a nível pessoal e coletivo, em parte devido à turbulência sentida na preparação da mesma. “Muita atletas acabaram por sair e a equipa foi feita ‘em cima da hora’ e com pessoas muito diferentes e nacionalidades distintas. Foi bastante desafiante, mas também trouxe frutos”.
Entre os quais sagrarem-se vice-campeã nacionais, sucumbindo somente na finalíssima, perante o ‘todo-poderoso’ e undeacampeão nacional – 11 vezes – Benfica, que ao longo da última década tem amealhado praticamente todos os títulos internos. “Importa ter qualidade e esta época tivemos, mas o que nos levou a chegar à final foi a união da equipa. Para quem jogava mais ou menos, a motivação era a mesma, dávamos sempre apoio umas às outras. O ambiente no balneário era fantástico, dos melhores que já tive. Ou até mesmo o melhor”, enaltece.
Em 2023/24, o plantel contou com duas jogadoras estrangeiras, uma argentina e outra chilena, dois reforços que também elevaram o nível qualitativo e competitivo do grupo. “Pela forma como jogam, pelo poderio físico e psicológico que têm, trouxeram uma lufada de ar fresco à equipa. Olham para a modalidade de forma diferente das portuguesas. Atravessaram o Atlântico para virem jogar hóquei em patins sem receios. Vieram com nada nas mãos em prol dos objetivos pessoais na modalidade. As portuguesas não são assim e falo por mim. Se quisesse, podia ter ambicionado mais e ir jogar para Lisboa ou até mesmo para Espanha. Falta-nos isso…”.
No entanto, a hoquista feirense deixa uma ressalva quanto à vinda de jogadoras estrangeiras para o campeonato português. “Ter uma jogadora internacional não pode ser só arranjarem-lhes casa e alimentação. É preciso pagarem-lhes também as viagens, as transferências, as inscrições… o campeonato português só vai melhorar quanto tivermos mais internacionais a jogarem aqui. É o acontece em Espanha, que tem o melhor campeonato do mundo”.

Missão (Não) Impossível: Conquistar o Mundial
Muito tem dado ao clube coletivamente, mas do prisma individual os desempenhos de Joana Teixeira não passaram despercebidos, com sucessivas chamadas à Seleção Nacional. Agora, afirma-se indiscutivelmente como internacional portuguesa e já vai para o seu segundo Mundial – representou Portugal na maior competição de seleções em 2022, depois de ter sido chamada à última hora para o Europeu de 2021.
“Sempre foi o maior objetivo. Claro que ser campeã nacional ou europeia por um clube são objetivos, mas o orgulho de representar Portugal… é uma sensação que não se consegue explicar. A primeira vez foi brutal”, recorda, remetendo-nos para o primeiro estágio de observação que fez, à data, ao serviço da Sanjoanense. “O processo começa no clube, mas o sonho constrói-se nas observações. Fui convocada para o meu primeiro Europeu, devido a uma lesão de uma das minhas colegas de Seleção. Fui chamada, cumpri e mostrei que era o que queria. Soube aproveitar a oportunidade”.
Em 2024, Portugal disputa o Mundial em Novara, Itália, de 16 a 21 de setembro, e a convocatória do selecionador Hélder Antunes gerou algumas críticas no seio da comunidade hoquista, devido a ter deixado de fora alguns nomes considerados intocáveis até então, como o de Marlene Sousa, do Benfica.
Ainda assim, o objetivo português é o de sempre: erguer o troféu. “Não há qualquer dúvida disso. O selecionador fez as suas escolhas, é quem sabe quem tem de escolher e as atletas que foram convocadas só têm de cumprir”, refere Joana Teixeira, que ainda procura estrear-se a marcar com as quinas ao peito.
Após o Mundial, troféu que Portugal nunca conseguiu conquistar, será tempo de virar atenções a 100% para o futuro a nível individual, que neste momento é ainda incerto, devido a um momento de alguma atribulação de ordem diretiva no Académico da Feira. Consta-se que a equipa sénior feminina, a maior montra, poderá ser desmantelada. “Tudo depende do que será o futuro do clube. Ainda é incerto. Se a equipa se desmoronar não será por causa das atletas. A equipa estava forte, o treinador queria mantê-la, mas muitas atletas – nomeadamente eu – não se reveem em muitas das atitudes das pessoas que estão à frente da direção”, visa.
Perante este cenário, e sem poder dar-se ao luxo de descurar o futuro, garante ainda não ter assinado qualquer contrato com outra equipa, mas tem um pré-acordo. “Não tenho assinado, mas tenho apalavrado. Tenho de ver pela minha vida e pelos objetivos que quero continuar a cumprir”, esclarece. Correio da Feira sabe que a Sanjoanense tem interesse em adquirir os serviços de Joana Teixeira na próxima época, e não é a única academista que o clube de S. João da Madeira quer contratar.
Num futuro mais longínquo, rumar a Espanha não será, de todo, descabido. “Ainda sou um bocado reticente quanto ao ir para Espanha, mas cada vez mais tenho pensado nisso. Luto para que o hóquei português feminino cresça, mas não podem ser só algumas atletas ou alguns clubes. Todos os envolvidos no hóquei feminino têm de fazer mais para que possamos ter um campeonato igual ou melhor do que o espanhol”, reivindica.
Engenheira de redes
Durante anos teve de desdobrar-se entre o hóquei em patins e os estudos académicos. Cursou a licenciatura com mestrado integrado em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações na Universidade de Aveiro. “Felizmente, sempre consegui conciliar, mas é complicado. Foi bastante exigente durante cinco anos, com viagens diárias para a universidade. Agora estou numa situação estável a nível de emprego”, dá conta Joana Teixeira.
Trabalha muitas vezes remotamente, mas terá de estar um mês fora, para cumprir o estágio da Seleção Nacional de preparação para o Mundial, mas quer, sempre que o tempo permita, estar disponível para ajudar a sua entidade empregadora, cuja compreensão e apoio tornam-se vitais. “Não é fácil dizer que vou estar um mês sem trabalhar para estar ao serviço de Portugal, mas felizmente apoiam-me e gostam de acompanhar o meu percurso. Isso é muito bom. Não vou estar focada no trabalho, mas vou tentar conciliar, durante o estágio, nas horas livres, para tudo o que quiserem e precisarem”, finaliza.

