Integralmente favorável às atuais intenções do Plano Ferroviário Nacional (PFN), o Movimento Cívico pela Linha do Vouga (MCLV), criado há mais de uma década, e que conta atualmente com quatro elementos, dedicados à revitalização de toda a extensão da ferrovia que atravessa o concelho de Santa Maria da Feira, mantendo a bitola métrica, contrapõe os argumentos elencados por quem aponta à mudança para bitola ibérica, e à recuperação da Linha do Vouga no troço Oliveira de Azeméis-Espinho, ligando-a à Linha do Norte
O debate em torno da reabilitação da Linha do Vouga e do PFN tem-se intensificado, devido ao prazo para consulta pública do documento, que termina a 28 de fevereiro. Trouxemos até si as posições dos quadrantes políticos que integram a Assembleia Municipal de Santa Maria da Feira, e também do MCLV. Agora, entrevistámos os responsáveis pelo mesmo.
Fundado por Aníbal Bastos em 2011, o movimento viu Bruno Soares, Mário Pereira e Vítor Gomes juntarem-se ao longo dos anos – os quatro dizem-se orgulhosos de “representarem as 7.500 pessoas” que seguem as suas redes sociais.
Recorde-se que à data da criação do MCLV, previa-se o encerramento definitivo da Linha do Vouga, altura em que “praticamente todas as linhas de bitola métrica já tinham desaparecido em Portugal”, exceto a do Vouga e a do Tua. “Só com um enorme esforço dos autarcas de então, juntamente com iniciativas populares, foi possível reverter a intenção”, dizem, reiterando desde já que “o movimento nasceu para lutar pela manutenção da via métrica”.
Sobre o PFN, recuemos até 2019, quando “a primeira versão do PNI2030 propunha a modernização apenas entre Oliveira de Azeméis e Espinho, com alteração da bitola, num orçamento previsto de 75 milhões de euros”. Para o MCLV “não estando prevista a modernização dos restantes quilómetros”, concluía-se que o restante troço iria “encerrar”.
“Somos integralmente a favor dos planos do PFN”
Amotinado contra a “decisão errada” do Governo de então, que ia “contra os princípios e as necessidades de mobilidade”, o MCLV logra-se pela retificação do PNI2030, “que passou a optar pela modernização da Linha do Vouga em toda a sua extensão, entre Aveiro e Espinho, mantendo a bitola métrica”, disponibilizando 100 milhões de euros para o efeito.
Os quatro assumem-se “integralmente a favor dos planos traçados pelo PFN”, que apesar de estar sob auscultação pública, assume manter a bitola métrica na Linha do Vouga, a única em Portugal em funcionamento”. O MCLV refere que “não é a única ferrovia que é diferente”. “À exceção da linha entre Porto e Póvoa de Varzim/Famalicão, reconvertida em metro, e da linha de Guimarães, reconvertida em bitola ibérica, as restantes, como a Linha do Dão, Tâmega, Corgo, Tua, Sabor e Vouga, foram dizimadas e deixadas ao abandono por sucessivos governos, para mais tarde terem o pretexto para os seus sucessivos encerramentos”.
“Na verdade, a Linha do Vouga é a única que sobreviveu no país, graças ao esforço dos autarcas da região e de movimentos populares. É premente a sua salvaguarda na bitola atual”, prosseguem, insistindo que a ferrovia que atravessa Santa Maria da Feira não é a única distinta em funcionamento no país. “A rede nacional tem três bitolas: a europeia no Metro do Porto, a ibérica na maioria das ferrovias, como Linha do Norte e do Douro, e a métrica na do Vouga”.
Então, afirmam ser “totalmente errado dizer que no resto do país e em Espanha é usada a bitola ibérica”. “A ibérica não é de todo a única bitola, já que as suas linhas de alta velocidade apresentam bitola padrão europeia. No que a linhas de bitola métrica diz respeito, temos muito a aprender com nuestros hermanos, que continuam a preservar a maioria delas, das quais destacamos a rede FEVE, no norte, e a moderna rede Euskotren, no País Basco”.
“A CP tem recuperado imenso material de bitola métrica”
O turismo – trajetos feitos com o tradicional comboio a carvão – é um dos argumentos do MCLV na defesa da manutenção da bitola métrica. “O sucesso da exploração turística decorre na Linha do Vouga desde 2017, entre Aveiro e Águeda. É inegável e de inteira justiça que seja rapidamente replicado aos restantes troços. A CP tem vindo a recuperar imenso material histórico de bitola métrica, que só poderá colocar em circulação na Linha do Vouga”.
O que lhe confere estatuto de exclusividade, sendo a única de bitola métrica ativa, tornando-a “ainda mais atrativa para os turistas”. “Cidades como Águeda e Santa Maria da Feira estão desenvolvidas a nível turístico, com festivais que atraem multidões, como o Agitágueda e a Viagem Medieval, respetivamente. Assim, podem e devem aproveitar o turismo ferroviário para se darem a conhecer e impulsionar a sua economia. A locomotiva a carvão pode perfeitamente acrescentar valor ao Perlim, na Feira, e ao Mercado à Moda Antiga, em Oliveira de Azeméis”. Alterar a bitola implicaria “aniquilar todo o interesse turístico”.
Aos que defendem a substituição da bitola, unindo a Linha do Vouga à do Norte, apostando na eletrificação do traçado entre Oliveira de Azeméis e Espinho, os membros do MCLV dizem “já quase não terem comentários possíveis”. “Quem conhece a Linha do Vouga sabe, ou devia saber, dos seus enormes constrangimentos”, dizem, apontando que “a Linha do Norte está sobrecarregada no eixo Aveiro-Porto”, no qual “circulam comboios de mercadorias, urbanos, regionais e inter-regionais, e de longo curso, pelo que seria praticamente impossível acrescentar mais circulações”.
Não contrariam que “seja em bitola métrica ou ibérica, a modernização passará sempre pela eletrificação; existirão correções de traçado, supressão e automatização de passagens de nível, e tudo se refletirá num consequente aumento da velocidade, reduzindo os tempos de viagem”, prosseguem, questionando: “a velocidade será muito superior em caso de alteração para bitola ibérica? Não. A Linha do Vouga poderá ter velocidades na ordem dos 80 km/h em bitola métrica, o que para uma linha de características urbanas, é perfeitamente aceitável”.
“Será um simples transbordo em Espinho tão desconfortável?”
O MCLV reivindica também a “criação urgente de interface com a Linha do Norte, em Espinho, com prolongamento da via à superfície até à estação principal, em estilo de metro”. Em contraponto, Castro Almeida, ex-autarca da Câmara Municipal de S. João da Madeira, apela à criação de uma ligação direta entre Oliveira de Azeméis e o Porto.
“Na perspetiva de Castro Almeida, ‘seria um ganho de tempo e de conforto que pode fazer a diferença quando se está hesitante entre o automóvel ou o comboio’. Será um simples transbordo em Espinho assim tão desconfortável? Somente está a ser analisada a possibilidade do passageiro que segue direto para o Porto. E os passageiros que têm de chegar a Espinho para procurar um comboio de longo curso? Não terão sempre de efetuar um transbordo? Em Aveiro, do que temos conhecimento, nunca foi um problema”, contrapõem.
Quanto ao custo, o social-democrata refere que uma ligação direta ao do Porto será possível “por um custo mensal de apenas 40 euros”, algo que o MCLV reitera que irá efetivar-se, sendo “o PFN perentório e um dos objetivos é integrar a Linha do Vouga no sistema Andante, o que quer dizer que o passe de 40 euros será sempre aplicado, independentemente da bitola”.
Bitola métrica ou ibérica?
Quanto à “operacionalidade entre bitolas diferentes”, o MCLV assegura não ser um problema, dando como exemplo “os novos comboios suíços da Golden Pass Express, construídos pela Stadler, que apresentam bogies bi-bitola, que permitem circular em linhas de bitola métrica e europeia”. Então, “a decisão claramente mais acertada será a manutenção da bitola métrica”, até porque a alteração “tem um custo 120% superior”. “Apenas para o troço Oliveira de Azeméis-Espinho, a modernização, mantendo a bitola, terá um custo de 34 milhões de euros, enquanto a alteração de bitola nunca será inferior a 75 milhões”.
Trocar de métrica para ibérica “implicaria inúmeras correções de traçado e expropriações de habitações e empresas, edificadas próximas da ferrovia”. “Modernizar, mantendo a bitola, é uma solução que não interfere com os interesses dos cidadãos, é mais barata, mais rápida de executar e permite que seja efetuada em toda a sua extensão”.
Perante a construção de uma linha de alta velocidade, cujo objetivo passa por libertar o atual fluxo da Linha do Norte, o MCLV refere que a Linha do Vouga não pode esperar, estando carente de modernização com “máxima urgência”. “Não podemos ficar dependentes de uma suposta construção de outra ferrovia. Temos de avançar pela solução da bitola métrica: é mais económica, rápida, realista e com potencial turístico, que responde de igual modo aos interesses das populações, sem desprezar as restantes populações”.
Os responsáveis criticam a “lamentável campanha” contra as suas intenções, “quer por parte de algumas entidades políticas, quer por parte de um meio de comunicação em particular, que decidiu financiar a promoção de uma petição a favor da mudança da bitola”, referindo-se ao Correio de Azeméis. “Já várias entidades distorceram, ou tentaram, a nossa mensagem… aproveitamos para agradecer ao CF por ter dado a oportunidade de a clarificarmos”.
Por fim, quanto à reação dos populares com quem interagem, revelam a existência de uma “normal divisão de opiniões”. “Quem conhece a Linha do Vouga e tem o mínimo conhecimento ferroviário, apoia as intenções do PFN e do MCLV; quem se limita a escutar, sem questionar o que lhes é ‘vendido’, deixa-se iludir por ideias enganosas e falaciosas”.
NOTA
Correio da Feira procurou obter a visão do ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, um dos impulsionadores do PFN, mas o próprio terá pedido, após a sua demissão do cargo, licença de toda a atividade, político-partidária, durante o período de um mês.