“A minha recompensa é o que cada um retira”
Cultura Reportagem

“A minha recompensa é o que cada um retira”

Na primeira exposição em Santa Maria da Feira, Isabel de Andrade apresenta ‘O Mistério que as Coisas Têm’, um conjunto de obras em bronze e em papel, patente na Biblioteca Municipal, de 21 de setembro a 3 de novembro. Formada em Engenharia Zootécnica, foi na arte que a ex-professora encontrou a vocação

Natural de Luanda, Angola, neta do feirense Antero Andrade e Silva, passou temporadas em Santa Maria da Feira ao longo da infância e adolescência, mais concretamente na Quinta de Santo André, propriedade do seu avô. Quando abandonou o continente africano, radicou-se no Porto, cidade que a acolheu e de onde diz sentir-se natural.

Formou-se em Engenharia Zootécnica porque iniciou esse percurso académico e garante não ser pessoa de desistir, mas na altura já sabia que ia ser artista. “Estive sempre intimamente ligada às artes. Com 19 anos, trabalhei num ateliê frequentado por muitos artistas. Tive sempre o ‘bichinho’ das artes”, contextualiza Isabel de Andrade.

Apresentou a sua primeira exposição de escultura a título individual era ainda estudante universitária, mas a caminhada profissional nas artes ainda demorou a solidificar-se. Antes, foi professora, lecionando disciplinas como Biologia, Ciências, Matemática ou Geologia, o que a obrigava a andar ‘de terra em terra’.

Apesar de nunca ter deixado de alimentar a paixão pelas artes, nem nunca ter preterido de fomentar a criatividade, os três filhos que procriou num espaço de seis anos levaram-na, mais cedo do que o previsto, a tomar uma decisão. “A determinada altura pensei que para apoiá-los teria de fazer uma opção. Como era professora, não conseguia conciliar tudo e, em 1998, dediquei-me exclusivamente às artes”.

A partir de então, realizou-se profissionalmente ‘com as mãos na massa’, ou, se preferir, no barro e no papel, tendo moldado o seu processo criativo ao longo dos últimos 25 anos. “Quando comecei a trabalhar em escultura, comecei por fazê-lo em barro cerâmico e cada peça era ‘chacotada’ – a primeira cozedora – e vidrada”, explica.

Ter trocado o campo pela cidade levou-a a explorar outras formas de exprimir-se artisticamente. “Continuei a trabalhar em barro até ao momento em que deixei a casa de campo em que vivia e fui viver para a cidade do Porto. No início, deixei de ter um ateliê com condições e dimensões para fazer ‘muito lixo’. Para trabalhar em barro é preciso espaço. Então, comecei a explorar técnicas de escultura em papel, um elemento ‘limpo’, que não necessita de muito espaço. Ao explorar essa técnica que é muito ‘minha’ – porque uso uma técnica mista de papel seco e pasta de papel, e as peças são sempre estruturadas em malha de aço ou em ferro – fui-me aprimorando”, detalha.

Insatisfeita por natureza, Isabel de Andrade procurou imortalizar o seu trabalho de artista. “Não que o papel não o faça, mas além dos atos, somos imortalizados pela obra”. Então, contactou uma fundição com o intuito de transformar os seus modelos em papel para bronze, algo que faz há sensivelmente uma dúzia de anos.

“São sentimentos e emoções que exponho à comunidade”

Naquela que será a 17.ª exposição individual da sua carreira, uma “das mais importantes”, afiança, Isabel de Andrade traz ‘O Mistério que as Coisas Têm’ até à cidade de Santa Maria da Feira, que está patente de visita, de 21 de setembro a 3 de novembro, na Biblioteca Municipal.

Trata-se de “uma exposição de obras recentes, em bronze e em papel, e qualquer uma pretende chegar ao observador de forma a que cada um, por si, encontre um lugar para a mesma na sua vida”. “Ou seja, ao observá-la, pensar em que parte da sua vida poderá encaixar a emoção e o sentimento que está a ter no momento”, desenvolve.

“O meu trabalho é das coisas mais íntimas que tenho. São sentimentos e emoções que, no fundo, estou a expor à comunidade e ao público, e fico sempre com a sensação de proporcionar momentos de paz, serenidade e alegria. Mesmo nos momentos mais difíceis da minha vida, que todos os temos, sou sempre serena e é isso que tento que aconteça. Os meus títulos sugerem momentos de reflexão; que cada um leia, observe e pense em que parte do seu percurso de vida encaixa cada obra. É esse o objetivo. A minha recompensa é o que cada um retira”, detalha.

A exposição, que Isabel de Andrade demorou um ano a produzir e concluir, está exposta na Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira a convite da diretora Mónica Gomes. “Contactou-me, penso que após uma conversa informal com um colega artista, José Augusto Castro, um pintor que admiro muito”, explica.

“Para já”, ficará em Santa Maria da Feira e não tem destino seguinte. A autora ainda não tem qualquer projeto expositivo individual para apresentar em 2025, mas participará em trabalhos conjuntos com outros artistas “durante todo o ano”.

Biblioteca promove diversidade cultural

Na antecâmara da inauguração da exposição, em exclusivo ao Correio da Feira, a diretora da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira assegurou que a obra de Isabel de Andrade “promete ser um momento de grande sensibilidade artística”. “A delicadeza, em papel e bronze, a abordagem à forma e ao movimento, utilizando o corpo humano, transmite um equilíbrio perfeito entre fragilidade e força. Um convite à reflexão sobre o mistério que as coisas têm, à sua verdadeira essência”, considera.

Trazê-la até ao espaço de promoção cultural feirense tem como objetivo “promover e ampliar o acesso a diversas formas de expressão artística, oferecendo múltiplas leituras e experiências”. “A obras de Isabel de Andrade alinham perfeitamente neste propósito. Acreditamos que a qualidade artística, combinada com a delicadeza, singularidade e interatividade das suas esculturas permitirão suscitar a curiosidade e envolver os visitantes”, prossegue Mónica Gomes.

Exposições, sejam de pintura, escultura e fotografia, ou qualquer outra forma de arte, têm sido recorrentes nas instalações da Biblioteca Municipal e a diretora salienta a crescente procura da comunidade a eventos destas índoles. “A diversidade de formas de arte apresentadas atrai um público diversificado, leitores, apreciadores de arte e curiosos, o que induz a continuarmos a proporcionar estes encontros entre artistas e público, assim como fomentar as artes e o enriquecimento cultural da nossa comunidade”.

Vários trabalhos de feirenses, mas não só, que fomentam a cultura, não apenas de feirenses, mas de toda a população, estarão patentes num espaço de inegável multiculturalidade, perante um ambicioso plano de atividades que a Biblioteca Municipal projetou para o futuro próximo. “É um centro de acesso à informação, ao conhecimento, ao pensamento e à cultura, essencial ao desenvolvimento da comunidade. O plano de atividades contempla projetos que visam atender às necessidades da comunidade, no âmbito da promoção da leitura, do livre acesso à informação, às artes, à literacia, à educação, à inclusão, à participação cívica e à estimulação do pensamento crítico e criativo e do desenvolvimento cultural”.

Haverá “horas de conto, apresentação de livros e autores, cinema, oficinas, clubes, exposições, conferências, palestras e demais atividades para todos os públicos, dentro e fora de portas”. Mónica Gomes assegura que a Biblioteca Municipal continuará “comprometida em oferecer serviços e atividades que visam atender às necessidades emergentes da comunidade, com serviços de qualidade”. “Trabalhamos diariamente para que seja um espaço inclusivo, inspirador, um ponto de encontro onde os livros, a arte, a cultura e a comunidade se cruzam de forma significativa”.

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Marcelo Brito
JORNALISTA | Curioso assíduo, leitor obsessivo, escritor feroz e editor cuidadoso, um amante do desporto em geral e do futebol em particular.
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