As Terras de Santa Maria não são para velhos
Opinião

As Terras de Santa Maria não são para velhos

Este Município hoje depara-se, como as cidades por toda a europa, com um envelhecimento acelerado da população e a inexistência total de respostas do estado. Em 2022 o Instituto Nacional de Estatística (INE) noticiava que o índice de envelhecimento, que compara a população com 65 e mais anos (população idosa) com a população dos 0 aos 14 anos (população jovem), atingiu o valor de 185,6 idosos por cada 100 jovens (181,3 em 2021). O EUROSTAT concluiu que a população portuguesa é a que está a envelhecer a um ritmo mais acelerado na UE, com o 3.º rácio mais alto de dependência de idosos (37,2%).

Em 2022, 22% da população do Município tinha mais de 65 anos, com um índice de dependência de 52,6%.

As projeções demográficas apontam para cerca de 2 milhões e 700 mil pessoas com mais de 65 anos em 2030, com uma taxa de dependência de 43,8%, num cenário em que a população não ultrapassará os 10 milhões, sendo que o único fator de rejuvenescimento da população é, para grande tristeza de quem ganha a vida a mentir e a espalhar o ódio – a imigração (Estudo Projeções 2030 e o Futuro, Maria Filomena Mendes e Maria João Valente Rosa – Fundação Francisco Manuel dos Santos).

E quem cuida? As mulheres. Hoje existem mais de 2 milhões e 500 mil pessoas a necessitar de algum tipo de cuidados. 83% de quem cuida são mulheres, em idade ativa e entre 60 a 70% ficam em situação de inatividade por não existir qualquer resposta pública. O estatuto do cuidador informal obriga a cuidador principal não trabalhe nem aufira rendimentos do trabalho ou subsídio de desemprego. Para ter acesso ao subsídio mensal de 509,26 euros (abaixo do limiar de pobreza que em 2023 era de 591 euros/mês) o rendimento do agregado não pode ultrapassar 576 euros. Atualmente cerca de 3000 cuidadores (num universo de mais de dois milhões) têm direito ao estatuto de cuidador primário com direito a subsídio.

Façamos contas.

€576,00+€509,26 resultam num rendimento mensal de €1085,26.

De acordo com os dados do setor imobiliário por distrito, arrendar uma casa tem um custo mensal de €850,00. Sobram €232,26.

Um pacote de 25 fraldas para adultos, de marca branca, custa cerca de 14 euros, num gasto mensal de 56 euros (se se usarem 3 a 4 fraldas/dia).

Alimentação, água, luz, vestuário, gás, centro de dia, medicação)? Centros de dia na Feira rondam os 800 a 1000 euros, lares (sempre sem vagas, privados ou não), nunca menos de 1600 euros. Penso que posso parar por aqui.

Que respostas do Município?

Até maio de 2023, foram aprovadas um total de 30 candidaturas no município, num total de 14 719 189,88€, correspondente a 60,42% do valor total de investimento. Alguma funciona?

1 – Cuidar de quem cuida – não cuida de cuidadores nem de cuidados, apoia IPSS.

2 – Operação Envelhe(s)er – Investimento global de 211.678,57€ (componente imaterial) –Arte com Seniores, Mãos na Terra, FAROL, Construir Raízes e Cuid(a)dor. Um a um:

  1. Arte com séniores – Casa dos Choupos e Amicis – dão formação profissional.
  2. Construir raízes – Aulas na Academia de música
  3. Farol – contactos telefónicos com idosos – a data da notícia não está indicada e o texto parece indicar que funcionou apenas durante a pandemia;
  4. Mãos na terra – absolutamente nenhum registo da sua existência;
  5. Cuid(a)dor – absolutamente nenhum registo da sua existência.

3 – Ativ’idade investimento global de 235.943,99€ (componente imaterial) – ações: MENTE IN, Sab€r + e Conforto em Casa. Uma a uma:

  1. MENTE IN, Sab€r+ e Conforto em casa – absolutamente nenhum registo da sua existência;
  2. Termalismo sénior – protocolo com as Termas de São Jorge que apenas prevê descontos.
  3. Fundação Cupertino de Miranda (não é sequer no município) – visitas guiadas a museus.

De referir ainda que o Município aderiu à Rede Global das cidades amigas das pessoas idosas, mas não disponibiliza o guia (que encontrei no portal da Fundação Calouste Gulbenkian). De acordo com esse documento, a Organização Mundial de Saúde contemplou 8 áreas estratégicas de uma cidade amiga das pessoas idosas, a saber: espaços exteriores e edifícios; transportes; habitação; participação social; respeito e inclusão social; participação cívica e emprego; comunicação e informação; apoio comunitário e serviços de saúde. A autoavaliação nestas 8 áreas possibilita às cidades procederem a um planeamento e realizarem as alterações e adequações necessárias, registando os progressos efetuados. Não existe autoavaliação ou relatório.

Mas aqui deixo o relatório acima e mais algumas informações.

O Regulamento Mobilidade para Todos destina-se a possibilitar aos munícipes residentes no concelho (…) idosos (…), uma maior autonomia na sua vivência diária, facilitando o acesso dos mesmos aos serviços de saúde, de reabilitação física e socioprofissional, oportunidades educacionais, culturais e de lazer, entre outras consideradas facilitadoras e promotoras de integração social (artigo 1.º), com transporte previsto para acesso a serviços de saúde, de reabilitação física, socioprofissional, oportunidades educacionais; acesso a atividades culturais e de lazer, entre outras consideradas facilitadoras/promotoras de integração social; apoio a atividades promovidas pelo Município; apoio a projetos apresentados pelas entidades locais para fins de lazer e tempos livres; apoio à resolução de problemas específicos analisados caso a caso pelo Município. Resposta do Município: só para consultas com pedido do médico de família.

Acompanhamento de assistente social? Não. Articulação com equipa de cuidados integrados da Unidade de Saúde Familiar da Feira? Não. Indicação de respostas sociais por parte da assistente social da USF? Não. Psicologia? Não. Psiquiatria? Não. Deslocação a casa? Não. Atestado multiusos? Não. Apoio para pagamento pontual de serviços públicos e renda? Não. Apoio no pagamento de fraldas? Não.

Garantir dignidade? Não. Cumprir os regulamentos em vigor? Não. Ajudar as famílias nos momentos de maior vulnerabilidade? Não.

O Executivo (PS e PSD) sabe? Sim. Alguns são dirigentes de IPSS.

E ninguém quer saber de quem envelhece, sozinho ou com poucos recursos, depois de uma vida de trabalho, com pouca saúde, sem nenhuma resposta social, como se não existisse ou tivesse de ser escondido.

Não, este Município não é para velhos. Nem garante o mínimo de dignidade na sua existência. Mas todos lá chegarão. Talvez então rebatam os sinos nas suas consciências.

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