O casamento e a união de facto são realidades muito diferentes à luz do nosso ordenamento jurídico e refletem as mudanças na dinâmica da família.
Segundo o artigo 1577.º do Código Civil, casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família, mediante uma plena comunhão de vida.
Assim, o casamento civil é um contrato sobre a vida privada das pessoas, traduzindo-se numa declaração de vontade de duas pessoas que querem estar juntas. E esse contrato (de casamento) é regulado de forma exaustiva pela lei portuguesa, pois quem casa obriga-se a um conjunto de deveres legais: deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (artigo 1672.º do Código Civil).
No contrato de casamento também se regula a administração do património conjugal, bem como o património que cada um dos cônjuges traz para o matrimónio.
Por sua vez, o conceito jurídico de união de facto encontra-se plasmado no artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, segundo o qual união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.
O prazo de dois anos para obter o reconhecimento da união de facto justifica-se porque o legislador presume que, após aquele período, a convivência em comum já adquiriu uma certa estabilidade, satisfazendo-se, assim, as exigências da segurança jurídica.
Comparando as diferentes realidades jurídicas, vemos que se o casamento é considerado um contrato, a união de facto é uma situação que surge do decurso do tempo.
Para a união de facto, a lei não regula as relações patrimoniais a desenvolver entre os conviventes, ou entre estes e terceiros, aplicando-se assim as regras gerais dos direitos reais e obrigacionais.
A lei portuguesa estabelece assim qualquer regime patrimonial geral relativamente aos bens dos conviventes e às suas relações patrimoniais, nem quaisquer regras relativas à administração e disposição de bens, dívidas, liquidação e partilha do património em virtude da dissolução da união de facto.
Apesar de aos unidos de facto se estenderem alguns dos direitos dos cônjuges, designadamente a proteção da casa de morada de família, o regime jurídico laboral em matéria de férias, feriados, faltas e licenças, a proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, as prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, entre outros, estão arredados dos direitos dos unidos de facto todos os outros efeitos resultantes do casamento.
O entendimento atual dos tribunais vai no sentido de considerar que não existe fundamento legal para ser estendido aos unidos de facto tratamento similar ao que é dispensado aos cônjuges, designadamente quanto às normas que regem o casamento e os seus efeitos.
No entanto, e apesar de ainda ser controverso, o pensamento jurídico tem evoluído no sentido de considerar a união de facto uma relação jurídica familiar, precisamente na linha de equiparação ao casamento.
Assim sendo, e no caso de os unidos de facto pretenderem fazer valer os respetivos direitos após a dissolução da união de facto, a mesma terá de ser judicialmente declarada.
Podemos pensar que as pessoas optam pela união de facto porque não querem estar vinculadas ao mesmo tipo de direitos e deveres que resultam do casamento.
No entanto, finda a união, podem verificar-se situações de conflito acerca dos bens adquiridos pelo esforço comum dos unidos de facto que, formalmente, estejam na titularidade de apenas um deles, uma vez que não lhes são aplicáveis as regras patrimoniais do casamento, designadamente a natureza comum dos bens adquiridos na pendência do matrimónio, regra aplicável a todos os regimes de casamento, com exceção do regime da separação de bens, e inaplicável à união de facto.
Igualmente, no regime sucessório, finda a união por morte de um dos conviventes, os unidos de facto não são herdeiros entre si, ao contrário do que sucede, por regra, no casamento.
Assim, a proteção sucessória dos unidos de facto, em caso de morte, consiste na possibilidade de outorgarem testamento a favor um do outro, o que, em caso de haver descendência, se limita à quota disponível. Pese embora a dinâmica das relações familiares tenha evoluído no sentido de aceitar as uniões de facto como uma verdadeira relação familiar, tal instituto ainda carece de proteção legal ao nível das questões patrimoniais, principalmente nas uniões de facto de longa duração.
Há situações em que, finda a união, os bens adquiridos com o esforço de ambos os conviventes, ficam na posse de um deles, sendo muito difícil obter judicialmente a compensação desse património adquirido pelo esforço comum que formalmente pertence apenas a um deles. Pelo que, em minha opinião, nas relações patrimoniais familiares, o casamento, enquanto contrato, protege mais a família do que a união de facto.
No caso de as pessoas se encontrarem a viver numa situação de união de facto, devem procurar aconselhamento jurídico para saberem quais são os seus direitos e assim protegerem os mesmos enquanto família.
* Colaboração com a Delegação de Santa Maria da Feira da Ordem dos Advogados