Dar um testemunho pessoal, de como foram vividos 20 anos de ditadura e 50 de democracia, durante e após o 25 de Abril, é uma tarefa muito arriscada, dado que passados mais de 60 anos não é possível transmitir com todo o rigor a veracidade dos factos ocorridos.
Ao falar sobre o antes do 25 de Abril, inevitavelmente tenho de enquadrar a cronologia do meu nascimento, poucos anos após o fim da 2.ª Guerra Mundial e 20 anos antes do 25 de Abril. Sendo natural e residente na freguesia de Pigeiros, quando entrei para a escola primária, Portugal era dominado por um regime político dominado por uma impiedosa ditadura. A maioria dos meus colegas chegava à escola malvestida, descalça e com o estômago vazio, dadas as condições de profunda miséria em que o país vivia. O meu pai teve de emigrar para a Venezuela para melhorar as condições de vida da família. Só o conheci aos sete anos! Entretanto, rebentava uma Guerra Colonial onde milhares de jovens portugueses perdiam a vida. No período 1970-1974, entre os meus 17 e 21 anos, a minha vida foi marcada pelo desporto e pelo ensino superior no Porto. Entretanto, dá-se a Revolução dos Cravos que pôs fim à Guerra Colonial e ao terror que me apoquentava desde criança!
Descrevendo o dia 25 de Abril de 1974, logo de manhã cedo, quando me deslocava para as aulas, fui informado que, em Lisboa, os militares se revoltaram para derrubar o Governo. Confirmado o sucesso da revolução, com a rendição de Marcelo Caetano, o povo saiu à rua e milhares de pessoas juntaram-se na Praça da República, em frente ao quartel-general, festejando a vitória das Forças Armadas, dando ‘vivas à liberdade e à democracia’ e clamando que ‘o povo unido jamais será vencido’.
Constituído um Governo provisório, iniciou-se o ‘processo de democratização’ do país, através da libertação dos presos políticos, legalização dos partidos que estavam na clandestinidade e constituição de novas força partidárias. Em simultâneo, iniciou-se o ‘processo de descolonização’ das províncias ultramarinas, que resultou no retorno de milhares de portugueses que tinham optado por viver nas ex-colónias. Ao mesmo tempo, acabava a Guerra Colonial.
Os primeiros tempos foram muito difíceis, bastante conflituosos, com ataques a sedes partidárias. Após muitos encantos e alguns desencantos, o regime democrático consolidou-se, através de eleições livres para a Assembleia Constituinte, para as Juntas de Freguesia e Câmaras Municipais, e para Presidente da República.
Com a instalação do regime democrático, os cidadãos puderam candidatar-se às autarquias, a Presidente da República e, através de partidos, a deputados na Assembleia da República. Foi assim que, aos 23 anos, concorri a presidente de Junta da minha freguesia. Permitiu-me, ainda, concorrer três vezes à presidência da Câmara Municipal e duas à da Assembleia Municipal, bem como integrar as listas do PS a deputado à Assembleia da República.
Essa passagem pela Assembleia da República permitiu-me o exercício de funções na 4.ª Comissão de Assuntos Europeus, 10.ª Comissão da Segurança Social e Trabalho, 6.ª Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas e 8.ª Comissão da Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.
Todo este percurso só foi possível porque estivemos 50 anos num regime democrático, doutro modo seria impensável poder exercer estes cargos em regimes fascistas e antidemocráticos.