Diamante em lapidação
Desporto Reportagem

Diamante em lapidação

Espoletou para o andebol no S. Paio de Oleiros, cresceu no Feirense e rumou ao FC Porto, mas sem espaço na equipa principal dos dragões, transferiu-se para a Artística de Avanca e a exigência de uma 1.ª Divisão levou-o a amadurecer mental e fisicamente. Natural de Rio Meão, Fábio Silva, de 23 anos, foi o único jogador que não representa os três grandes, além dos que atuam no estrangeiro, a integrar a comitiva de Portugal no Europeu. Fez oito golos em sete jogos, ajudando a Seleção Nacional a qualificar-se para o pré-olímpico, com vista ao apuramento para os Jogos Olímpicos. Consciente das imprevisibilidades e da curta duração da carreira de andebolista, está prestes a concluir o mestrado em Engenharia de Automação Industrial

Não é apenas em desportos como o futebol ou o futsal que surgem jogadores de elite em Santa Maria da Feira. Há um diamante em processo de lapidação, natural do Concelho, mais concretamente Rio Meão, na modalidade de andebol.

Com apenas 23 anos, Fábio Silva representou Portugal numa das mais prestigiadas competições internacionais, ajudando a Seleção Nacional a manter viva a esperança de qualificar-se para os próximos Jogos Olímpicos. Em sete partidas no Campeonato da Europa, disputado no início do ano na Alemanha, apontou oito golos e despertou – ainda mais – o foco para si, como um dos mais promissores pivôs do andebol português.

Tudo começou com apenas oito anos, altura em que “queria o futebol”, mas por influência acabou por optar pelo andebol. “Como muitas crianças, queria o futebol. No entanto, o namorado da minha prima na altura – agora são casados – tinha jogado andebol em S. Paio de Oleiros, levou-me a ver um jogo da Taça de Portugal contra o Benfica, fui experimentando e fiquei”, recorda.

Aos 16 anos, trocou o Oleiros pelo Feirense, devido à visibilidade e à competitividade que o clube dava. “Alguns colegas de equipa e amigos meus também mudaram… ‘picaram-me’ e achei por bem mudar, porque a equipa ia ser melhor e a competitividade maior. No escalão acima, já estavam na 1.ª Divisão, o que aumenta a visibilidade e optei pela mudança”.

[CD Feirense – Andebol]

Feirense, FC Porto e Avanca

Esteve apenas duas épocas no clube da cidade sede do Concelho, tendo as suas exibições o catapultado para um ‘gigante’ da modalidade em Portugal. Recrutado para os escalões jovens do FC Porto, chegou a integrar o plantel da equipa B, mas não teve oportunidade para se estrear na equipa principal, não guardando mágoa. “Não, de todo. Acredito que o caminho que segui foi o melhor, deu-me a possibilidade de crescer, até porque na altura ainda não tinha capacidades para chegar [à equipa principal dos dragões] e a ida para Avanca deu-me mais espaço para jogar e crescer”.

Quando chegou ao clube da Invicta, encontrou uma estrutura profissionalizada e atenta a cada detalhe, que ajudou ao seu desenvolvimento enquanto jogador, como os nutricionistas “que acompanham os jogadores da equipa B a desenvolverem a parte física, além dos preparadores-físicos”.

Com 1,89m e 106kg, o possante pivô assegura que o seu desenvolvimento foi gradual, intensificando-se com a mudança para a Artística de Avanca, que coincidiu com a sua estreia na 1.ª Divisão. “Apercebi-me que tinha de mudar muito a parte física. Para a minha posição são precisos força e peso, algo que não tinha, mas que na 2.ª Divisão chegava. Acredito que foi no primeiro ano em Avanca que dei o maior ‘salto’, no entanto os passos dados no FC Porto foram muito importantes para questões como a mentalidade”.

Sem espaço no plantel principal dos portistas, surge a Artística de Avanca. “Precisavam de um terceiro pivô, para apostarem no desenvolvimento de jovens, para no futuro terem mais tempo de jogo na equipa principal. Aceitei porque para além de ser relativamente perto de casa, a 1.ª Divisão e uma oportunidade de crescer”, prossegue Fábio Silva.

Chegar à 1.ª Divisão obrigou-o a aumentar o peso, em “cerca de dez a 12 quilos na primeira época”. “É um impacto muito grande para um jovem que jogava na 2.ª Divisão. Não estava à espera que fosse tão grande”, admite. Teve de focar-se em treinos de ginásio, aumentando gradualmente a carga diariamente, antes de cada treino; aliado à alimentação, que teve de fortalecer.

Algo que obrigou a desenvolver a sua capacidade de resiliência. “Não foi fácil, mas também não foi muito difícil. Não é nos primeiros meses que se vai ver a diferença, só passado um ou dois anos. É trabalhar e acreditar no processo”.

Com 20 anos, na estreia no principal campeonato do andebol português, fez 30 golos em 26 jogos pela Artística de Avanca. Na época seguinte, 44 golos em 31 partidas e na transata, 2022/23, chegou aos três dígitos: festejou por 116 vezes, terminando com uma média superior a quatro golos por encontro. “Depois da questão física e começando a ter mais minutos, o crescimento acontece gradualmente. É com a experiência que se vão adquirindo algumas capacidades”.

De espectador, passou a figura principal nos jogos da 1.ª Divisão. “É incrível. Chegas ao jogo e vês um atleta que vias na televisão, mas quando entramos dentro de campo é para dar tudo e ganhar. Enquanto se está lá dentro, é um adversário. Fora, a sensação de jogar contra jogadores que admirava é incrível”, partilha.

[Kolektiff/EHF]

Seleção Nacional

Foi com 18 anos, enquanto atleta do Feirense, que Fábio Silva recebeu a primeira chamada para representar a Seleção Nacional, no respetivo escalão, ajudando Portugal a conquistar a 4 Nations Cup, uma “experiência boa” que o ajudou a sentir “algumas diferenças”. “Ainda não estava no nível [exigido], mas foi bom para ter noção de como as coisas funcionam em contexto de Seleção”.

Recentemente, integrou o estágio preparatório com vista ao Europeu de seniores, antes de divulgada a convocatória final. “Fui para tentar agarrar a oportunidade, treinar no meu melhor nível e esperar para ver o que o selecionador ia fazer”, conta.

Porém, não foi uma das primeiras opções de Paulo Pereira, que recorreu ao andebolista de Rio Meão devido à lesão de Daymaro Salina. Azar de uns, sorte de outros. “Recebi a chamada no dia anterior a fazer a viagem, quando estava a ir para o treino em Avanca. Ainda ia fazer exames, mas fiquei sem saber como reagir. Acho que as pessoas ao meu lado estavam mais conscientes daquilo que estava a acontecer do que eu. Só me apercebi quando lá cheguei… ainda que estejamos avisados de que pode acontecer, nunca estamos à espera”.

Uma autêntica montanha-russa de emoções. “Quando recebi a notícia não estava a perceber o que estava a acontecer, mas quando caí em mim foi incrível”, sustenta. Viajou para a Alemanha para juntar-se à restante comitiva lusa, que se encontrava a realizar jogos de preparação com a seleção local, dois dias antes do arranque oficial do Europeu. “Quando somos pequenos sonhamos em representar o país e felizmente pude cumprir esse sonho”.

Em terras germânicas, apontou oito golos – quatro contra a Grécia, dois frente à Chéquia, um à Dinamarca e outro aos Países Baixos – e foi o nono melhor marcador de Portugal na competição, com tantos quanto Rui Silva, do FC Porto. Foi-se ‘libertando’ do nervosismo a cada jogo realizado. “No primeiro jogo, entras num pavilhão com 12 mil pessoas… é abismal. Em Portugal não estamos habituados a ter tanta gente nos pavilhões. Todo o ambiente à volta do espetáculo é incrível. Apesar de haver aquele ‘nervoso’ inicial, há toda uma preparação mental e quando entrei, felizmente consegui corresponder e ajudar a equipa a ganhar. Daí para a frente tudo aconteceu naturalmente. O nervosismo foi diminuindo ao longo dos jogos e tentei sempre ajudar na campanha de Portugal”, detalha.

Após uma integração algo tardia, mas “muito boa” numa seleção que é “quase como uma família”, reencontrando jogadores com os quais já tinha jogado, na mesma equipa ou enquanto adversário, Fábio Silva teve participação direta na qualificação de Portugal para o pré-olímpico, torneio que ditará, ou não, a presença nos próximos Jogos Olímpicos. A ambição é voltar a fazer parte das escolhas de Paulo Pereira. “Tentar melhorar e crescer para voltar. Sem pressas… acredito que continuando a fazer o meu trabalho posso chegar mais vezes à Seleção”, almeja.

Portugal tem conseguido, a cada competição, ombrear com as seleções congéneres consideradas favoritas e Fábio Silva acredita que a modalidade pode “continuar a crescer” no país. “As pessoas à volta do andebol têm conseguido aumentar a visibilidade e a competitividade, não só da Seleção, mas também do campeonato, o que ajuda ao desenvolvimento dos jogadores portugueses, que chegam cada vez mais cedo e com mais qualidade ao topo”.

Futuro? “Ver qual a melhor oportunidade”

Para o que resta da época, o objetivo de Fábio Silva é claro: ajudar a Artística de Avanca a manter-se no principal escalão do andebol português. “Vamos lutar, em cada jogo, pelos pontos necessários”, promete. Ainda que tenha mais uma temporada no contrato, mostra-se disposto a analisar propostas para o futuro. “A visibilidade aumentou desde o Europeu. Quero continuar a trabalhar, sei que as coisas vão aparecer. Não tenho pressas. Tenho contrato com o Avanca para a próxima época, vou receber o que aparecer e optar por aquela que achar que é a melhor oportunidade”, esclarece.

Um regresso ao FC Porto “é sempre um sonho” e caso a oportunidade surja, é mais uma que irá “ter em conta e ver se é a melhor opção”.

Quando a disponibilidade permite, Fábio Silva continua a ir ver jogos de S. Paio de Oleiros e Feirense, para reencontrar colegas de equipa e amigos que deixou em ambos os clubes, preponderantes na sua caminhada. “A formação no Oleiros foi muito importante e o Feirense ajudou-me a desenvolver capacidades e a aumentar a competitividade”, considera.

Em simultâneo com o andebol, prossegue os estudos académicos, para ter um plano B no pós-carreira. Encontra-se a concluir as etapas finais do mestrado em Engenharia de Automação Industrial, na Universidade de Aveiro. “Vou tentando conciliar. Agora será a parte dos estágios em empresas. Claro que uma [andebol] ou outra [estudos] parte ficam para trás em certos dias, mas tento ao máximo conciliar para ter um plano B. É importante porque o andebol não vai durar para sempre”.

Por fim, o internacional português por sete vezes deixa conselhos àqueles que sonham em chegar ao mais alto nível do andebol. “Nunca desistam. Se gostam de andebol, continuem a esforçarem-se ao máximo, mas não deixem os estudos de lado, para terem sempre um plano B. Nunca sabemos o que vai acontecer, se temos uma lesão ou não”.

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Marcelo Brito
JORNALISTA | Curioso assíduo, leitor obsessivo, escritor feroz e editor cuidadoso, um amante do desporto em geral e do futebol em particular.
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