Sérgio Rola. Treinador do Clube Desportivo e Cultural de S. Paio de Oleiros
Enquanto jogador, foi bicampeão nacional ao serviço do FC Porto e representou, ainda, S. Bernardo e Madeira SAD, antes de rumar à Bélgica, onde envergou a camisola de Sasja, Visé e Achilles Bocholt, ao longo de sete épocas, e conquistou uma taça.
Voltou para Portugal para estabilizar-se profissional e familiarmente, não tendo como objetivo continuar a jogar, mas o convite de Manuel Gregório para representar o Feirense fez com que prolongasse a carreira mais dois anos, apesar de ter tido abordagens de clubes da 1.ª Divisão. Esta temporada, aos 34 anos, assume o cargo de treinador da equipa sénior do clube que o viu despontar para o andebol, o S. Paio de Oleiros, tendo a – nada fácil – tarefa de evitar que os seus pupilos passem novamente pelo que tem acontecido nas últimas temporadas: a despromoção pela via desportiva.
Tem Ljubomir Obradovic, Magnus Andersson, Carlos Martingo e Ricardo Costa – este, seu ídolo enquanto jogador e com quem partilhou balneário – como as principais referências.
CF – Quando é que o jovem Sérgio, que deu despontou para o andebol no Oleiros, percebeu que podia chegar a um dos maiores clubes portugueses?
Sérgio Rola – Não perspetivava, mas com o passar dos anos, devido a ser canhoto, que dá algumas vantagens, as pessoas puxavam imenso por mim, diziam que tinha alguma qualidade e comecei a pôr isso na cabeça e a fazer algum esforço. Joguei cinco épocas no Oleiros e depois muito tempo no S. Bernardo… todos os dias ia de comboio, não era fácil e chegava muito tarde a casa. Só pelo acreditar e pelo querer atingir um nível razoável é que o fiz. É impossível alguém que não tenha o querer e a motivação fazer isso. Perdia mesmo muito tempo com o andebol.
Chega ao FC Porto, que representa durante duas temporadas, marca 70 golos em 63 jogos e sagra-se bicampeão nacional – perdendo duas finais da Taça de Portugal.
Sabia das dificuldades que ia encontrar para ter tempo de jogo. Tive abordagens de outros clubes, ia ter mais tempo de jogo e propostas melhores financeiramente, mas na minha decisão pesou o facto de [o FC Porto] ser um clube grande, com grandes jogadores e pela aprendizagem que ia ter. Sabia que numa fase inicial ia ser complicado, vinha de uma realidade completamente diferente, mas nunca desisti. No início, pouco jogava, só entrava quando estávamos a ganhar por uma diferença considerável, o que acontecia em muitos jogos. Tinha sempre cinco a dez minutos para mostrar algo. Até que, na primeira época, em dezembro, num FC Porto-Benfica, o Ricardo Moreira, capitão de equipa, por infelicidade lesionou-se. Era da minha posição e tive a minha oportunidade. Estava preparado, correu bem e as coisas mudaram, o treinador começou a confiar mais em mim. Comecei a ter muito mais tempo de jogo, mas quando o Ricardo regressou, voltei a não jogar o tempo que achava necessário.
Segue-se o Madeira SAD, a jogar e a marcar mais: 195 golos em 61 jogos.
Pus as fichas todas no Madeira SAD. O clube já não era como antigamente, estava com muitas dificuldades. No primeiro ano, equipa muito limitada, mas decidi arriscar. Não correu mal a nível individual, mas também não correu como estava à espera. Arrisquei ficar mais um ano e, entretanto, o Marítimo tomou conta do clube. Houve uma grande mudança com a entrada do Paulo Fidalgo. Só que a nível desportivo, foi muito mau.
Até que surge a oportunidade de rumar à Bélgica. Em algum momento da carreira tinha perspetivado ir para fora?
Sempre tentei ver se aparecia algo que me pudesse aliciar. Procurei soluções em Portugal, mas recebi um contacto da Bélgica, que não esperava e informei-me sobre o clube, que tinha sido um dos melhores, mas que estava em reestruturação, com uma equipa jovem. Havia a particularidade de o campeonato belga ser jogado com o holandês, ou seja, entre as quatro melhores equipas de cada país. Um amigo que tinha jogado comigo no FC Porto, João Ramos, aconselhou-me e disse-me que era uma boa oportunidade, que apesar de não ser um dos ‘grandes’, conseguiria dar o salto rapidamente. Fui e adorei a experiência. Correu mesmo muito bem a nível individual, fui muito feliz e ao olhar para trás, foi uma decisão acertada, num momento em que precisava de outro rumo e de mais confiança. No Sasja, um clube de meio da tabela para baixo, estive durante três anos e talvez tenha sido o meu maior erro. Tive propostas para sair, especialmente da última equipa que representei, Achilles Bocholt, mas decidi ‘jogar pelo seguro’, até pelos aspetos contratuais e mais tarde arrependi-me. Foram campeões da BENE League até… ao ano em que fui para lá.
Pelo meio representou o Visé.
Em termos de condições, foi o melhor clube em que joguei. Adorei a vila, na parte francesa da Bélgica. Um clube de meio de tabela que tinha um presidente que investia muito do seu dinheiro, que nunca tinha chegado a uma final-four, mas que lutou pelos títulos todos. Perdemos as finais todas. No segundo ano, igual, até ter uma lesão grave.

Contratado de… muletas
E surge o Achilles Bocholt.
Mesmo lesionado, voltaram a abordar-me. Após um jogo, estava de muletas porque tinha acabado de ser operado, estou a sair do pavilhão e um diretor aborda-me. Era a terceira vez que estavam a tentar contratar-me, mesmo inválido. Isso pesou muito na decisão.
Que diferenças a nível competitivo encontrou entre a BENE League, que reúne os melhores clubes de Bélgica e Países Baixos, e o andebol português?
FC Porto, Sporting e Benfica, mais ABC, Águas Santas e talvez o Madeira SAD [atual Marítimo] são muito superiores. Lá, o campeonato é semiprofissional. Tem jogadores estrangeiros, mas os da região, por norma, não são profissionais. Têm bons empregos e o andebol é um extra. A grande diferença é a cultura desportiva. É totalmente diferente. Aqui, em jogos do meio da tabela para baixo, o pavilhão está vazio. Lá, as pessoas gostam de ir ver o espetáculo, que é bem promovido. Não é excelente, mas é melhor do que se faz em Portugal. Há envolvência com os adeptos e depois dos jogos éramos obrigados a ir para uma sala VIP, com comes e bebes, para estarmos com os patrocinadores, por exemplo.
Conquista uma Taça da Bélgica ao serviço do Achilles Bocholt.
No ano da pandemia. E estávamos em 1.º no campeonato, mas só deu para disputar a final da taça, já sem adeptos. O pior foi no segundo ano, ao perdermos a final da BENE League. E sabia que era o meu sétimo e último ano. Na final, contra a minha ex-equipa, fomos a prolongamento e penáltis… fiz um dos meus melhores jogos, na minha despedida, e perdemos. Foi um momento difícil, mas olhando para trás, tenho de estar orgulhoso dos meus sete anos na Bélgica.
Regressa a Portugal e representa o Feirense, não pela vertente financeira.
Saio da Bélgica com o intuito de deixar de jogar. Queria constituir família e ter filhos. O meu pai e o meu tio, que também jogaram andebol em Oleiros, têm uma empresa e achei que estava na hora de começar a olhar para o meu futuro. O treinador do Feirense, Manuel Gregório, que foi meu treinador no Oleiros e manteve o contacto comigo, abordou-me porque sabia das minhas intenções em voltar. Aceitei… não era algo que habitualmente fizesse, mas caso surgisse algo, poderia faltar a um treino e não seria uma obrigação. Reuniram-se as condições e fui.
Não teve convites mais ‘apelativos’?
Tive, da 1.ª Divisão, mas a razão de vir para Portugal era estabilizar e organizar a minha vida e sei que qualquer clube da 1.ª Divisão ia exigir muito tempo. A minha forma de estar é: ou estou a 100% ou não estou. Para estar a criar uma imagem daquilo que nunca fui, não ia sentir-me bem comigo mesmo. Não podia aceitar um compromisso que ia falhar.
Partilhou balneário com jogadores de renome. Quais ‘ficaram para a vida’?
Alguns tornaram-se verdadeiros amigos. João Ramos, Filipe Mota… o próprio Nuno Silva, que está agora no Vitória SC. Há pessoas que marcaram muito a minha carreira, como o Pedro Seabra Marques. Recebeu-me sempre de braços abertos, na sua própria casa, com a sua família. São muitos, não queria individualizar mais.
Transição mais rápida do que previsto
Opta por deixar de jogar e tornar-se treinador. É algo que sempre quis ser?
Já tinha tido o convite do Oleiros para regressar, enquanto jogador, mas não surgiu. Não havia mal, mas ao mesmo tempo achava que não o devia fazer. Estava à espera de ser pai e já ia para os treinos com falta de motivação, que só aparecia ao sábado. Estava-me a enganar aos poucos, apesar de sentir-me bem fisicamente. Entretanto, voltam a entrar em contacto e fazem-me o convite para ser treinador. Vou ser sincero: pensava que podia vir a sê-lo, mas não tão rápido, logo após deixar de jogar. O convite mexeu comigo, principalmente por ser para a equipa sénior, uma responsabilidade grande. As coisas foram-se alinhando e fiquei muito satisfeito.
Clube desceu, em 2023/24, mas que manteve-se na 2.ª Divisão pela via administrativa, à semelhança do que aconteceu em 2022/23 e até em 2021/22. Será uma tarefa difícil tirar a equipa desta espiral negativa vivida nas últimas épocas?
Algumas pessoas mais próximas do mundo do andebol perguntaram-me se sabia onde me estava a meter. A verdade é que joguei contra eles nos últimos dois anos e vi qualidade. Independentemente de terem desempenhos menos bons, têm-na. Senti é que se perdeu aquela sensação que as equipas tinham ao virem jogar a Oleiros, um pavilhão difícil e uma equipa ‘aguerrida’, talvez pelo acumular de resultados menos positivos. Qualidade existe, não são fracos nem coisa parecida, mas é preciso trabalho e dedicação. Quando começámos a treinar, em agosto, superaram as minhas expectativas. Treinam muito e tenho a certeza de que no final da época vamos ver evolução.
Recebeu apenas um reforço, Nuno Reis. O grupo dá-lhe garantias?
Temos de perceber o contexto do clube. Está-se a reestruturar e houve eleições há muito pouco tempo. Pelo que percebi, foi complicado esta direção fazer ajustes sem o ato eleitoral ter acontecido. É uma equipa amadora, a trabalhar e a reestruturar-se. Contrataram o professor Dani, uma pessoa cheia de experiência na coordenação e formação e já começam a entrar miúdos para a formação, que nos últimos anos vinha-se a perder. Já sabia o que ia encontrar e não deixo de acreditar que é possível. Fizemos um ajuste, com a entrada do Nuno Reis, um excelente jogador que estava parado há mais de um ano, e perdemos o João Almeida, muito querido pelo plantel e pelo clube, que gostava muito que continuasse, mas quis fazer uma paragem. O plantel é jovem, tem margem para crescer e acredito que as coisas podem ser diferentes. Os últimos dois anos foram muito difíceis. É preciso dar tempo… acredito que irão superar-se.
Quais as suas principais referências?
O meu ídolo de infância era o Ricardo Costa. Tive o prazer de partilhar balneário com ele quando fui para o FC Porto. Quando assumiu o FC Porto, fez uma fase regular inacreditável, só com vitórias, mas na segunda fase a equipa escorregou e não foi campeão. Saiu, foi para o Gaia e Avanca e agora aparece no Sporting, com condições, a fazer um trabalho monstruoso. Neste momento, em Portugal, a par do Magnus Andersson são as grandes referências. Não esquecendo o professor Obradovic, que é das pessoas que deu o primeiro passo para o andebol português melhorar muito. Além desses três, há um que admiro muito, Carlos Martingo, adjunto do Magnus Andersson e selecionador nacional de sub-20.
