Filipe Gonçalves. Treinador dos sub-19 do Lusitânia de Lourosa
Nos últimos anos da carreira como jogador, assumiu, em simultâneo, funções de adjunto em escalões de formação de Sp. Espinho e Lusitânia de Lourosa, com o intuito de aprofundar os contextos do futebol juvenil. Na primeira época após pendurar as botas, orientou os sub-19 lusitanistas, levando-os à glória, com a conquista do título de campeão nacional da 2.ª Divisão.
Agora com 38 anos, o espinhense foi um médio-defensivo de vasto currículo, amealhando subidas e troféus, como a primeira edição da Taça da Liga e uma Segunda Liga. Absorveu conhecimento e sabedoria de treinadores que o orientaram, como Jesualdo Ferreira, Vítor Oliveira, Carlos Carvalhal, Marco Silva, Pedro Miguel ou João de Deus, que o ajudaram, na primeira experiência como treinador principal, a erguer um troféu nacional.
A entrada do diretor-geral Nuno Correia no clube e a aposta da direção na mudança de paradigma na formação permitiu a construção de um plantel equilibrado, nivelado por cima, com dois jogadores por posição, que elevaram os níveis de competitividade interna. Quanto ao futuro, não esconde o desejo de treinar uma equipa sénior e caso surja uma “oportunidade interessante, admite que gostaria de abraçá-la”.
CF – Nos últimos anos antes de pendurar as chuteiras, assumiu, em simultâneo, funções de adjunto em escalões da formação de Sp. Espinho e Lusitânia de Lourosa. Em que momento da carreira percebeu que queria ser treinador?
Filipe Gonçalves – Apanhei treinadores com métodos diferentes, nunca fui um jogador de questionar o que quer que fosse, mas a certa altura quis entender mais. Às vezes concordava, outras não e a partir da minha saída do Estoril para o Moreirense, comecei a ver o jogo de outra forma. Tive a sorte de ter grandes treinadores e já numa fase adiantada da carreira apanhei dois, João de Deus e Pedro Miguel, com uma visão de jogo e métodos de treino de que gostava bastante. Descobri esta paixão e algumas pessoas influenciaram-me nessa fase.
Começou nos sub-15, optando por ter o primeiro contacto com a função com jogadores jovens? Porquê?
Senti que para começar precisava de conhecer os contextos mais baixos e de perceber o que é o desenvolvimento motor e cognitivo dos jogadores jovens. Nos sub-15, apanham-se maturações muito díspares e foi importante percebê-lo. Era o escalão certo para começar. Aliado ao facto de, com o Nélson Capela, o treinador com quem estive quatro anos, de quem gosto muito e a quem reconheço uma competência muito grande, poder crescer dentro do processo. Aprendi bastante, absorvi muito, mas nem sempre concordei com tudo. Foi alguém que permitiu que desse a minha opinião. Agora, faço-o com os meus auxiliares. Quis crescer de forma sustentável. É incrível perceber a evolução, ou não, dos jovens jogadores.
Pendurou as botas no Lourosa e na época seguinte assumiu o comando técnico dos sub-19. Foi consequência de ter acabado a carreira no clube?
Quando vim para Lourosa, estava nos sub-17 como adjunto e acabámos por, como equipa técnica, ir embora. Estava a fazer o estágio UEFA B e os sub-19 só tinham o Ivo Sabença e um auxiliar. Perguntei se considerava que pudesse acompanhá-lo, muito numa de observação. Partilhávamos algumas ideias e acredito que ajudei. Depois, convidaram-me para assumir, acredito que por reconhecimento de competência. Não foi tanto pelo ‘acabei aqui, vou começar aqui’. O Lourosa é um clube com um potencial incrível a nível de formação e a nível sénior, e achei que estavam reunidas as condições para pôr à prova as minhas ideias. Ainda que tivesse tido convites para ser adjunto em equipas seniores.
Perante a falta de experiência, não sentiu pressão face aos objetivos do clube?
Não. Essa pressão é normal. Como jogador, habituei-me a jogar sempre para ganhar. Na formação, tem de haver preocupação com o processo e não apenas com o resultado, e apercebi-me disso pela forma como evoluí a ver o jogo nos últimos anos. Sabendo que os resultados são importantes, vou olhar sempre para o processo. Felizmente, a ideia comungava, fizemos uma boa preparação no recrutamento do plantel e da equipa técnica – tenho elementos formidáveis – e conseguimos crescer exponencialmente.
“A competição interna foi muito forte”
Internamente, o objetivo era subir à elite do escalão sub-19 em Portugal e o clube reforçou-se nesse sentido.
Fizemos um plantel muito equilibrado, com dois jogadores por posição, sabendo que uns jogaram mais, outros menos, mas foram, todos, muito competitivos durante a época, o que levou ao sucesso. A competição interna foi muito forte.
Foi 2.º na fase regular, apurando-se para a fase de subida, que acabou por vencer de forma confortável. Que análise faz à prestação em ambas?
Não começámos da melhor forma porque o nosso processo exige tempo. Entrámos com um empate com o Nogueirense, ganhámos ao Lamego e perdemos com o Feirense e o nível exibicional não era o que queríamos. Ganhámos ao Sp. Espinho, um momento muito importante de viragem, até pela rivalidade, e fizemos sete vitórias seguidas. Foi aí que os jogadores começaram a acreditar que era possível. Mantendo a humildade como base, começámos a acreditar que éramos melhores. Tivemos um momento de quebra, em cinco jogos só ganhámos ao Feirense, empatando os outros, e a equipa duvidou de si, mas conseguiu reentrar no trilho, apurando-se no 2.º lugar. Na segunda fase, estivemos mais consistentes. Sabíamos o que queríamos, as dificuldades do passado deram-nos força e os miúdos superaram-se. Fomos mais fortes na atitude competitiva e no querer, aliado à ideia de jogo.
“Seria justo qualquer equipa ganhar”
Na disputa pelo título, com o Farense, as duas equipas igualaram-se (1-1 em Lourosa e 0-0 em Faro) e a decisão chegou através dos penáltis. O equilíbrio no marcador espelha o que ambas fizeram dentro de campo?
Acredito que dominámos e controlámos o jogo em Lourosa. Em Faro, não o conseguimos fazer, mas a ideia esteve sempre presente… fomos a equipa que esteve mais perto de ganhar e que controlou com bola. O Farense era muito forte nas transições. Sofremos o golo numa e tiveram mais três ou quatro ocasiões. Em Faro, o jogo foi mais disputado, a melhor oportunidade é do Farense; que com a baliza aberta, não concretiza. Foi uma final em que as duas equipas tiveram muitas cautelas. Qualquer equipa que ganhasse, seria justo. Felizmente ‘pintou’ para nós.
Esta época, 31 jogos, 19 vitórias, nove empates e três derrotas; 66 golos marcados e 29 sofridos. Na fase de subida, uma coesão defensiva tremenda, sendo a equipa menos batida, aliada à veia goleadora, consagrada como melhor ataque. A equipa transcendeu-se?
Senti que quando passámos à fase de subida, já não havia volta a dar. Tínhamos de subir, sabendo que havia equipas muito fortes e que as dificuldades seriam grandes. Quando chegávamos ao jogo, notava-se uma confiança enorme. Os jogadores estavam perfeitamente identificados com o que tinham de fazer e o segredo foi o grupo que se criou. Fizeram um balneário extremamente forte e unido. Procurámos que os jogadores tivessem relações prévias antes de os juntarmos no Lourosa. Como jogador, quando subi com o Moreirense, o grupo ganhava jogos antes de entrar para o campo e esse foi o segredo deste Lourosa. Com um balneário muito forte, a maior parte das vezes entravam para o campo a sentir que iam ganhar.
Plantel criado a pensar na equipa sénior
Referiu que um dos momentos importantes foi o jogo com o Sp. Espinho, na fase regular. Quais considera serem os momentos-chave da temporada?
Quando ganhámos ao Valadares, vindos de uma série de empates, estávamos muito inconstantes, entre a 1.ª e a 2.ª parte, e essa vitória tirou a pressão aos jogadores. Na fase de subida, foram muito constantes. Só senti quebra em Chaves, quando a ganhar 2-0 permitimos o empate, incompreensivelmente. Quando ganham ao Feirense, sentem que a subida nunca mais foge. Se tivesse de escolher, sem dúvida a vitória com o Valadares e a vitória na Feira.
Entre os 11 mais utilizados, seis chegaram esta época. Há ‘matéria-prima’ que assegure o futuro da equipa sénior?
Nesta temporada mudou-se o paradigma do que era a formação do clube, quanto ao recrutamento e à possibilidade de chegar a melhores jogadores, já a pensar nessa transição. A entrada do diretor-geral, Nuno Correia, proporcionou-o, através do seu conhecimento. O plantel foi criado a pensar na potenciação da equipa sénior, dentro de um crescimento sustentado no clube. É o que os clubes têm de fazer. A formação é cada vez mais o futuro.
“Deixei de jogar porque deixei de gostar do que fazia”
Que sentimentos e sensações esta conquista fez emergirem no Filipe Gonçalves, que enquanto jogador experienciou de tudo um pouco?
Deixei de jogar porque deixei de gostar do que fazia. Não senti que o meu corpo não queria, mas a minha cabeça não dava. Este grupo fez-me apaixonar pelo futebol outra vez. Acabei por viver a época com uma intensidade tremenda, ao nível de quando era jogador. Foi incrível. Sentimos que pudemos ajudar os jogadores e essa é a maior vitória; e se três, quatro ou cinco ficarem nos seniores, ou forem para contextos melhores, será uma grande vitória.
Título consumado, objetivo cumprido e época terminada. O que se segue?
Não quis tomar uma decisão antes de acabar a época. Vamos avaliar o que é melhor. É importante as duas partes fazerem um balanço. Obviamente que os resultados foram positivos, quer para a equipa técnica quer para o clube, mas nada como sentar, avaliar e ver o que é melhor para ambos. O mais importante está assegurado, que é o clube estar numa competição mais exigente. Os jogadores valorizaram-se e a equipa técnica também.
Mas qual é a sua vontade?
Sinceramente, não sei. Gostei muito de trabalhar com estes meninos, a maior parte será sénior, serão poucos a ficar. Terá de se fazer uma equipa nova, com uma capacidade de trabalho muito grande. Não escondo que gostava de treinar seniores e se aparecesse uma oportunidade interessante, gostaria de abraçá-la, pelo desafio. São desafios diferentes. Temos de avaliar, enquanto equipa técnica, o que vamos fazer.
Que elementos integram a sua equipa técnica?
Bruno Vale, treinador de guarda-redes, e Bruno Aguiar e André Marinho, adjuntos. Há ainda o Edgar Abreu, treinador estagiário, também muito importante para o grupo.
Quem é Filipe Gonçalves enquanto treinador?
Não gosto de falar individualmente. A nossa equipa tem de ter personalidade, coragem, que goste de ter bola, que saia a jogar a partir de trás e que mande e controle o jogo. Não sou lírico, se tivermos de atacar rápido, vamos fazê-lo; se tivermos de dar muitos toques, idem. Gosto que os jogadores percebam o que estão a fazer nos treinos e nos jogos. Sem bola, ser uma equipa extremamente forte e agressiva, e com bola, mandar no jogo. E depois são as relações humanas, que aprendi pelas influências que tive, nomeadamente do Vítor Oliveira, um líder nato; de longe o melhor que tive a oportunidade de conhecer.
Na vertente técnico-tática, quais as suas referências?
É difícil… tive várias influências. Há uma situação de equilíbrio defensivo que a trabalhava há 20 anos com o Jesualdo Ferreira e nem percebia o que estava a fazer. Agora faço-o a saber o porquê de estar a fazê-lo daquela forma. Depois, Pedro Miguel na ideia de jogo ofensivo, assim como o João de Deus. E uma figura incontornável, que é o Carlos Carvalhal. São fora de série. Não consigo escolher um. Tive vários e ‘tirei’ um bocadinho de cada.