Já lá vão 50 anos, mas os acontecimentos de então ainda perduram nas nossas memórias.
Foi um dia especial. Cedo as notícias chegaram em catadupa. E eram boas. Não me lembro de ver descontentes. Nem mesmo aqueles que eram catalogados de fazer parte dos seguidores do regime vigente, pareceram contrariados. Com certeza por uma questão tática… pois nada melhor que alinhar pela equipa vencedora. E, essa, desde cedo se viu que seria a dos militares que em Lisboa estavam a derrubar um regime que há 40 anos ‘cortava a raiz ao pensamento’.
Em Fiães, a meio da manhã, já o café Monte Carlo era palco de manifestações de alegria. Pelo menos nesse dia o Monte Carlo tinha sentido único: todos aplaudiam a festa. O pior viria depois. E o depois chegou cedo. Politicamente mais informado que a grande maioria dos frequentadores do café, um fianense – omito o nome porque convém não avivar feridas antigas – começou a fazer a ‘lavagem ao cérebro’ de uns quantos que o começaram a seguir cegamente. Só ele tinha opinião. Quem dela discorda-se era logo apelidado de fascista.
Por isso, o Monte Carlo foi palco de grandes discussões. Porque para alguns, para os novos democratas, só a opinião do grande ‘pensador’ era válida. Todas as outras só podiam vir de apoiantes do regime derrubado.
Não foi por acaso, que um fianense ilustre, assumidamente apoiante do antigo regime, viu a sua casa apedrejada pelos novos democratas, como não foi por acaso que alguns que sempre estiveram contra a ditadura de Salazar e Caetano fossem apelidados de fascistas, só porque se manifestaram abertamente contra o apedrejamento da casa de um fianense. Um gesto desses nunca poderia ser sancionado por um democrata.
Naturalmente que o tempo acabou por colocar as coisas no sítio certo. Os ‘democratas atiradores das pedras’ acalmaram, o seu mentor rumou para outras paragens e a paz regressou ao Monte Carlo.
Recordo, que em 1969, aquando da inauguração da Fábrica CINCA, ter sido vítima de um informador da PIDE.
Carlos Fontes
Um Monte Carlo que sempre foi um local onde a política era tema diário. Recordo, que em 1969, aquando da inauguração da Fábrica CINCA, ter sido vítima de um informador da PIDE. Cheguei para tomar café, depois de ter almoçado, e alguém me diz que na empresa decorria um grande almoço, oferecido pela Câmara Municipal, com a presença do então Presidente da República, Américo Tomás. Retorqui: “deixa lá, nas contas da Câmara não vai constar o preço desse almoço: Em vez disso vai constar o preço de vários camiões de cascalho para uma estrada qualquer e o preço de umas toneladas de asfalto”.
Pois, nesse mesmo dia, ao fim da tarde, recebo em casa a visita da GNR. “Tem de se apresentar amanhã, às 14 horas, na sede da PIDE, na Rua do Heroísmo, no Porto”, avisa-me um dos agentes. E acrescenta “vai lá ter, ou quer que o levemos?”. Claro que respondi que ia lá ter.
E assim foi. No dia seguinte, lá estava no local indicado. Entrei, subi para uma sala do 1.º andar, onde me mandaram sentar. Passado pouco tempo vejo entrar dois agentes. Um deles olhou para mim com cara de gozo. Sorria. Eu fiz o mesmo. O agente era um antigo companheiro meu no Colégio dos Carvalhos. “Com que então o almoço da Cinca vai ser pago com cascalho e asfalto”, atira-me ele. Sorrimos ambos. “Ó pá. Vê lá como falas e onde falas”, atira-me ele.
“Vamos esquecer isto, faz de conta que nada se passou, que nós fazemos o mesmo”. Demos um abraço e lá vim eu a matutar. Quem seria o bufo?
Antes, e depois do 25 de Abril, o Monte Carlo é ponto de encontro de muitos fianenses. Hoje, felizmente podemos discutir tudo sem receio de PIDES. Porque em 1974 um punhado de militares resolveu acabar com os bufos.
Por isso, e porque agora “não há machado que corte a raiz ao pensamento”, gritamos:
Viva o 25 de Abril! ABRIL SEMPRE!