Mais do que resultados, o foco é promover valores sociais que previnam os seus atletas de serem alvo de segregação racial, ajudando-os a integrarem-se na sociedade. No Clube Desportivo de Escapães há lugar para todos, menino ou menina, português ou estrangeiro, rico ou pobre. Paulo Ribeiro, que assumiu funções de presidente para não deixar que o clube caísse num marasmo diretivo ou até evitar a sua extinção, é ainda treinador e motorista, contando com uma equipa pequena, mas dedicada a que nada falte aos três escalões. No futuro, não esconde ter como objetivo retirar a equipa sénior da Liga Census e inscrevê-la nas competições distritais, algo que ainda não aconteceu devido aos encargos associados
Paulo Ribeiro é presidente, Rosário Pinho vogal, são marido e mulher e todos os dias dedicam uma fatia significante dos seus horários ao Clube Desportivo de Escapães, um projeto que abraçaram para evitar que emblema fundado em 1982 fechasse portas.
Além das dificuldades de ordem económico-financeira, ultrapassaram uma pandemia, que ainda mais entraves colocou no recrutamento de jogadores, e têm conseguido, ano após ano, reerguer o clube quanto à captação de atletas. Entre funções diretivas e de treino, desdobram-se em papéis de transporte e de logística administrativa, para que nada falte às equipas. Conseguiram, até então, criar mais dois escalões e até já tiveram de dispensar jogadores dos seniores, cujas captações atraiu vários interessados.
Mantêm como foco, assim como os pergaminhos da instituição explanam, que o Escapães seja um clube de todos e para todos, não havendo lugar à discriminação, racismo ou xenofobia, detendo parcerias com instituições para o acolhimento de atletas envolvidos em carências sociais ou falta de acompanhamento parental.
Paulo Ribeiro chegou à presidência do clube respondendo ao apelo de antigos dirigentes, não conseguindo virar as costas a uma instituição que desde novo aprendeu a amar. “Sempre vivi muito o clube. As antigas direções frequentavam o meu estabelecimento comercial e assisti de perto a tudo pelo que passavam, nomeadamente todas as dificuldades. Em 2018, porque o clube ia acabar, falaram comigo para que abraçasse o projeto e desse continuidade”, explica.
Apostado em revitalizar o Escapães, tem tentado ‘arrastar’ mais pessoas que fomentem a dinamização do clube, uma luta que considera difícil, mas que não o faz baixar os braços, garantindo que “depois de abraçar o projeto, uma pessoa apaixona-se, principalmente pelas crianças”. “É uma paixão enorme”, assegura.
Deparou-se com muitas dificuldades e considera as financeiras as mais gravosas, a par da falta de crianças à data, devido à freguesia ser pequena e haver clubes nas redondezas, nomeadamente “Feirense, Arrifanense e Geração Rui Dolores”, que atraem muitos jovens para a prática desportiva. Não obstante, a dedicação e o trabalho em “fazer ver aos miúdos o que é o Escapães” tem surtido efeitos. “É uma família, muito mais do que apenas um clube e tentamos transmitir-lhes isso”.
Atualmente apenas com secção de futsal, que existe há sensivelmente duas décadas, encontram-se ativos os escalões de iniciados, juniores e seniores, estes últimos dois ‘recuperados’ na temporada transata, 2023/24. “Quando ‘peguei’ no clube, os atuais juniores eram ainda infantis e um dos objetivos passa por levá-los até onde conseguir. Anteriormente, iam até aos juvenis e depois seguiam para outros clubes, mas agora já há miúdos com 12 anos de casa e que vão terminar a sua formação com a camisola desta família”, orgulha-se o também treinador dos sub-19.
Rosário Pinho complementa-o não só na vida pessoal, mas também neste desafio desportivo, sendo um elemento preponderante em toda a logística e trabalho de secretariado, e corrobora que o clube é como uma família… numerosa. “É um clube familiar e o facto de o Paulo [Ribeiro] ter um estabelecimento comercial ajuda. Os jogadores pedem aos pais que os levem e ainda convivemos mais fora do que no contexto do clube”. Alguns estão no Escapães desde os quatro ou cinco anos e é engraçado vermos a sua evolução ao longo dos anos”.
Preocupações sociais e humanas
No Clube Desportivo de Escapães não há lugar à discriminação, ainda que isso prejudique os resultados desportivos, que não é o objetivo máximo dos dirigentes, apoiados nos pergaminhos e estatutos da instituição. “Queremos ajudar crianças carenciadas e incluí-las no desporto, ajudando a retirá-las de maus ambientes e vícios. É algo que está nos fundamentos do clube e queremos que sejam assim. A maioria chega-nos porque sabem que é assim. Há casos que foram trazidos por assistentes social”, especifica Rosário Pinho, dando o exemplo de alguns atletas ucranianos que representaram o clube no passado.
Assim, a comunidade imigrante, mas não só, tem no Escapães um clube que está sempre de braços abertos a ajudar os seus atletas, e respetiva família, a integrarem-se na sociedade civil, o que por vezes é uma barreira para os estrangeiros que chegam ao país. “Alguns vêm de clubes que nem sequer os quiseram inscrever. Em termos de papelada, é mais trabalhoso inscrever atletas estrangeiros, mas aqui, mesmo que dê mais trabalho, acolhemos todos. Claro que demora mais tempo, somos poucos e todos voluntários, mas ainda há quem queira ajudar”, prossegue a vogal da direção.
Classificando o Escapães como “um clube para todos” em que “promover a igualdade” é uma das principais funções sociais, assegura que atletas e família olham para a coletividade quase como um porto-seguro. “Aqui sentem-se verdadeiramente acolhidos. Não digo que nos outros clubes não seja assim, em alguns também o é, mas no Escapães não há racismo, xenofobia ou espaço para gozo. Ninguém trata mal ninguém e só não será aceite quem não cumpra com isso, não por qualquer outro motivo”.
Para cumprir estes pressupostos e perante a escassez de apoios, seja de patrocinadores ou de âmbito institucional, exige-se rigor financeiro, algo que Rosário Pinho garante ser uma das matrizes inegociáveis para a direção. “Fazemos todas as contas para termos sempre tudo direitinho. Os apoios que chegam da Câmara Municipal ou da Junta de Freguesia são dados por não termos dívidas às Finanças ou à Segurança Social e temos de continuar a trabalhar assim. Temos de ter tudo regularizado”.
Sem instalações próprias, o clube vê-se obrigado a pagar um aluguer mensal ao proprietário do pavilhão, o Centro Social de Escapães, algo que também provoca constrangimentos quanto aos horários disponíveis para as equipas treinarem, devido ao facto de a entidade gestora da infraestrutura alugar, também, a privados que queiram utilizá-la durante a semana. São custos na ordem dos quatro a cinco mil euros anuais, que representa uma fatia significativa do orçamento. “É a maior dificuldade do clube, que tem de cobrir essa parte, ainda que conte com o apoio da Câmara e da Junta”, detalha Paulo Ribeiro.
Ambição é competir no distrital
Com a equipa sénior a disputar a Liga Census, prova cuja organização é competência dos próprios clubes, ainda que em parceria com a Associação de Futebol de Aveiro, o facto de os jogos serem disputado durante a semana é algo que atrai cada vez mais jogadores que preterem de jogar ao fim de semana. A vertente financeira, menos custosa em relação às competições federativas, ajuda em manter vivo o clube. “A nível de inscrições e seguro é igual à distrital, mas em termos de jogos, ficaria uma fortuna na distrital; entre arbitragem, PCS, GNR e outras taxas. Na Liga Census o valor é menor, nem é comparável”, justifica.
Não obstante, é desejo dos dirigentes elevar o clube ao patamar distrital, mas Paulo Ribeiro não quer dar passos em falso. “É para isso que estamos a trabalhar. Como em tudo na vida, não devemos começar a casa pelo telhado, mas pelos alicerces”.
Sobre a temporada que marcou o regresso dos seniores, os objetivos desportivos “não corresponderam ao pretendido”, admite, justificando com a construção tardia do grupo de trabalho. “Começámos com um plantel construído praticamente à última, finais de agosto ou princípios de setembro e não podíamos exigir muito mais. Era o ano zero, mas esta época já temos outros objetivos”, aponta.
“Não sou de prometer o céu e a terra, gosto de fazer as coisas degrau a degrau. Sempre fui assim. Não gosto de prometer três e oferecer um, gosto de prometer um e se possível aparecer com dois ou três. É a minha forma de estar na vida e é isso que trago para o clube. Esta época apareceram 32 atletas para os seniores sem qualquer divulgação, nem usámos as redes sociais”, prossegue o presidente.
Já Rosário Pinho admite ter custado “mandar alguns embora”, mas foca o facto de vários atletas, formados no clube, terem decidido voltar. “Foram felizes aqui no passado e disseram que queriam terminar no Escapães. São os atletas que não continuaram na formação porque não havia os seus escalões, não porque não quisessem continuar”.
Atualmente, quase a totalidade dos jogadores que compõem o plantel sénior foi formada no clube, o que se traduz num “orgulho enorme” para o presidente e treinador Paulo Ribeiro.
Já a dirigente desvenda que existe a vontade de na próxima temporada, 2025/26, aqueles que são atualmente juniores possam prosseguir a representar o Escapães enquanto seniores… não na Liga Census, mas na 2.ª Distrital, possibilitando-lhes a oportunidade concluírem a sua formação no clube.
No passado, o Clube Desportivo de Escapães chegou a dispor de secções de andebol, futebol e até taekwondo, modalidades às quais Paulo Ribeiro não fecha a porta a um eventual renascimento. “Estamos abertos a isso, mas neste momento queremos solidificar o futsal. Se aparecerem pessoas que queiram [novas secções], há abertura”, ainda que isso implique mais gastos.
Num clube aberto à comunidade, que conta com atletas de nacionalidades que não a portuguesa, como três irmãos sírios, incluindo uma menina, são cerca de 40 a 50 jogadores divididos por três escalões, e no horizonte – ainda que longínquo – está o desejo de criar um escalão exclusivamente feminino.
Mais do que resultados, o Clube Desportivo de Escapães quer diferenciar-se pela inclusão dos seus atletas na comunidade, possibilitando-lhes escapar à segregação social e à marginalidade, incutindo-lhes valores sociais e coletivos. O crescimento de alguns enquanto jogadores até já os levou às convocatórias da seleção distrital.