Não, a Roménia não é mais rica do que Portugal
Opinião

Não, a Roménia não é mais rica do que Portugal

Nos meios de comunicação social e até na academia, certamente por desleixo, existe o velho hábito de papaguear o que se vai ouvindo aqui e acolá. Utilizam-se termos e conceitos em análises/discussões sem atender à clareza do que se diz ou escreve. Um dos erros mais comuns que se escutam à saciedade nos nossos tempos é do de confundir o PIBp.c. (Produto Interno Bruto per capita) com a riqueza do país. Decorre desta incorreta interpretação, um conjunto vastíssimo de elucubrações que estão manifestamente desajustadas da realidade. A mais caricata de todos foi papagueada abundantemente nos tempos mais recentes, dando conta que, e passo a citar “Roménia torna-se mais rica do que Portugal em 2024”.

Ora, bastaria conhecer os indicadores de desenvolvimento da Roménia ou ter visitado o país para perceber imediatamente que alguma coisa não bate certo nesta ‘notícia’. O erro, na realidade, é bastante fácil de decompor e vou tentar dissecá-lo no mais curto número de linhas possível.

Em primeiro lugar, importa perceber que o PIB (a produção de bens e serviços do país) é um fluxo, enquanto a riqueza é um stock. Simplificando por analogia: o PIB é o equivalente ao seu salário anual, ao passo que a riqueza é o equivalente ao seu património global. Numa empresa, a comparação seria mais ou menos esta: o PIB seria o Volume de Vendas, enquanto a Riqueza seria o seu Capital Próprio (o património líquido de dívidas). Portanto, o PIB tem uma natureza cíclica e fechada no tempo, no entanto a Riqueza tem uma natureza cumulativa e balizada ao momento presente. Naturalmente existe uma relação entre as duas, mas a interação não é linear nem total.

Em segundo lugar, o PIB mede muita coisa, desde a produção de chouriços até à construção de casas e produção de carros. Se o PIB do país A assentar na produção de bens de consumo imediato, mas o PIB do país B assentar na produção de bens de capital (portos, estradas, pontes, casas, escolas, hospitais, etc.), então o país B será bastante mais rico do que o país A, uma vez que terá edificado para o futuro património com valor próprio, enquanto o país B vê esfumar-se todos os anos o que produz. O mesmo raciocínio se pode fazer para um país que gasta muito em defesa; estará a contribuir para o aumento do PIB, mas em que medida isso contribuirá para a riqueza do país? Ou pense, por exemplo, num país muito frio com necessidades de aquecimento gigantescas; enquanto este país queima gás para aquecer as casas, está a contribuir para o seu PIB, mas um país em tudo semelhante mais a sul, sem estas necessidades de aquecimento, teria forçosamente um PIB inferior, mas não seria necessariamente menos rico. Está a perceber as diferenças e os erros de análise em que podemos incorrer?

Em terceiro lugar, na produção do país contempla-se a intervenção do Estado (através dos serviços e bens que presta ou paga) e deduz-se o que arrecada em impostos. Se um país tiver um Estado interventivo e não arrecadar os impostos necessários para o pagar, incorrerá em deficits orçamentais que se traduzem no acumulo de dívida, mas promove o aumento do PIB. Ora, dá-se o caso de muitos países de leste terem visto as suas dívidas quitadas com a desanexação da URSS, permitindo-lhes nesta fase de desenvolvimento investir e gastar a expensas do futuro, acelerando o PIB de uma forma que não se poderá manter para sempre (como se viu em Portugal). Apenas para se ter um termo de comparação, entre 2019 e 2022 (4 anos), a Roménia teve um déficit orçamental acumulado superior a 26,8% do PIB e Portugal ficou-se pelos 9%. É uma diferença brutal que remete, conforme indiquei, para fases diferentes de desenvolvimento e para uma realidade específica da Roménia e de todos os países de leste que, aliás, acumulam anualmente deficits muito superiores ao português, o que é o mesmo que dizer, estão a impulsionar a economia de uma forma “artificial” porque insustentável indefinidamente. Portanto, não é de estranhar que o PIBp.c. da Roménia e dos países de Leste se aproxime e ultrapasse vários países europeus; o que é de estranhar é que Portugal, com uma restrição orçamental tão elevada, consiga convergir com a média e tenha crescimentos na ordem dos 2%.

Por último, o mais relevante. O país se for verdadeiramente rico isso terá de se traduzir em indicadores sociais e ambientais que dependem implicitamente da robustez da economia, do mercado de trabalho, do estado social, da qualidade das instituições, da qualidade das infraestruturas, etc. Analise-se os índices de mortalidade, a esperança média de vida, a cobertura da rede de saneamento e distribuição de água, o acesso a fontes de energia, a qualidade das vias rodo e ferroviárias, a qualidade das escolas e dos hospitais, a qualidade das habitações e serviços conexos de Portugal em comparação com a Roménia e rapidamente ficaremos com vergonha de afirmar que a Roménia é mais rica do que Portugal. Aliás, a pobreza e exclusão social na Roménia é um flagelo por resolver, com mais de 35% da população nessa situação.

Em suma, (1) a Roménia não é mais rica do que Portugal e dificilmente o será nas próximas décadas, (2) o PIB não mede a riqueza de um país e (3) nem tudo o que se produz se traduz em riqueza.

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Daniel Tavares Gomes
COLUNISTA
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