O compromisso de uma vida de Berta Nunes: as comunidades
Reportagem

Primeiro, como médica, depois como autarca e secretária de Estado O compromisso de uma vida de Berta Nunes: as comunidades

Foi médica no Centro de Saúde de Alfândega da Fé, município no qual foi presidente de Câmara e renunciou ao mandato, em 2019, para rumar ao Palácio das Necessidades. Aos 69 anos, Berta Nunes aborda o trabalho como secretária de Estado das Comunidades Portuguesas (2019-2022), a importância do regresso ou investimento da diáspora em território nacional, a necessidade de reforçar laços com os lusodescendentes e o fenómeno da imigração

É dona de um currículo invejável, mas também pouco convencional. Berta Ferreira Milheiro Nunes é natural da pequena freguesia de Santa Maria de Lamas, da qual partiu ainda jovem, para se formar em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina do Porto, curso que concluiu em 1980 e lhe valeu o prémio Engenheiro António de Almeida, por ser a mais bem classificada a nível nacional no ano de 1980, em Medicina, com 17,4 valores.

Logo no primeiro ano como estudante, em 1974, depois do 25 de Abril, Berta Nunes envolveu-se nas associações de estudantes e no ativismo estudantil, mostrando-se, desde então, presença assídua nos movimentos ecologistas e feministas. Começou assim a sua ligação à política.

“Quando acabei o curso e fui colocada em Alfândega da Fé, no centro de saúde, ao fim de algum tempo fui convidada para encabeçar a lista da Assembleia Municipal pelo Partido Socialista (PS). Aceitei. Nesse ano, ganhámos as Autárquicas e posteriormente inscrevi-me no PS”, conta aos 69 anos, a médica, agora aposentada, que continuou a exercer medicina e a ser ativa na política local do concelho localizado no nordeste transmontano. Só quando se tornou a figura principal da Câmara Municipal de Alfândega da Fé é que Berta Nunes teve de fazer uma opção: a medicina ou a política? Escolheu a política.

Em outubro de 2009 foi eleita presidente da Câmara de Alfândega da Fé pelo PS. Foi reeleita nas duas eleições seguintes (2013 e 2017) e suspendeu o mandato a 1 de agosto de 2019, para ser a número dois do PS pelo distrito de Bragança, nas legislativas de 6 de outubro. Falhou a ida para S. Bento, porque o PS só elegeu um deputado por aquele círculo, mas não demorou a chegar a Lisboa para fazer o que mais queria: política. “Tendo o PS ganho as eleições nesse ano, fui convidada para o Governo como secretária de Estado das Comunidades Portuguesas”.

Consigo levou a experiência como médica, que contribuiu para a sua visão sobre o papel das comunidades portuguesas no estrangeiro. “A minha prática como Médica de Família e posteriormente como presidente da Câmara de um concelho com uma grande parte da sua população emigrada e com todos os problemas que tal acarreta, mas também com todas as oportunidades que também existem nesta situação, foi importante”, comenta.

De médica a secretária de Estado no MNE

Assumiu funções em outubro de 2019, o que significa que exerceu num dos períodos mais críticos, a pandemia da Covid-19, que, por esta altura, perfaz cinco anos desde que foram diagnosticados os primeiros casos em Portugal. Foram tempos de “exigência máxima”, que acarretaram problemas que, até então, não existiam. “Foi um período muito difícil para as nossas comunidades por não poderem vir a Portugal visitar as suas famílias e porque muitos ficaram desempregados nos países onde estavam. Também foi uma dificuldade acrescida para os estudantes em Erasmus, que ajudamos a retornar a Portugal e para muitos portugueses em viagem ou que necessitavam de viajar. Estes apoios passaram em grande parte pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, secretaria de Estado e pelos restantes serviços do MNE, em articulação com os consulados e embaixadas portuguesas nos vários países do mundo”, recorda.

Não obstante, os tumultos levantados pela pandemia não a impediram de levar a cabo o Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora (PNAID) e iniciar a sua implementação, cuja aprovação garante ter sido a maior conquista durante o mandato como secretária de Estado. “Este plano pretende apoiar o investimento das comunidades portuguesas emigradas em Portugal, apoiar as empresas portuguesas a exportar através das relações existentes com a nossa diáspora, e dar visibilidade em Portugal ao investimento da diáspora portuguesa que é muito importante, mas também muito invisível”, afirma.

O PNAID assenta em duas linhas de ação, o regresso e/ou investimento da diáspora em Portugal, e a promoção das exportações e do investimento português no estrangeiro através da diáspora. Um programa que a par do Programa Regressar, que visa apoiar o regresso a Portugal de emigrantes ou seus descendentes para fazer face às necessidades de mão-de-obra que hoje se fazem sentir em vários setores da economia portuguesa – reforçando a criação de emprego, o pagamento de contribuições para a Segurança Social, o investimento e o combate ao envelhecimento demográfico –, são, na ótica da ex-secretária de Estado, preponderantes para apoiar e incentivar o regresso dos emigrantes portugueses. Para que estes não tencionem regressar às origens somente no momento de gozarem o período da reforma, como é exemplo a maioria dos entrevistados para a rubrica Diáspora Feirense, do Correio da Feira, na qual nos dedicamos a acompanhar e a dar visibilidade às histórias, desafios e conquistas da nossa comunidade emigrante, é necessário “aperfeiçoar as referidas medidas” e acrescentar “outras que apoiem o retorno”, considera Berta Nunes.

Em sentido inverso encontram-se os filhos dos emigrantes, que não expressam a mesma vontade dos progenitores de regressarem às origens. Não terem a mesma ligação com Portugal do que as gerações anteriores pode afigurar-se “um desafio futuro” para o nosso país.“É por esse motivo que é muito importante o trabalho dos serviços do MNE, para incentivarem os lusodescendentes a voltarem ou a manterem uma ligação forte a Portugal”, diz Berta Nunes, olhando para a questão sob vários ângulos: “podem trazer mais investimento estrangeiro a Portugal, mais turistas e outros benefícios até diplomáticos, porque muitos dos lusodescendentes são importantes nos países onde nasceram e mantêm dupla nacionalidade, portuguesa e do país onde vivem”.

“Imigrantes são fundamentais para a economia e demografia

Trocando a emigração pela imigração, o número de estrangeiros em Portugal está a aumentar a um ritmo nunca visto. Há mais de um milhão de imigrantes no nosso país, sendo que oito em cada dez são provenientes de países fora da União Europeia. O Brasil está no topo da lista, mas a Índia e todos os países do subcontinente indiano, como o Paquistão, Bangladesh, Nepal e Butão estão a ganhar força. Até então, de olhos postos nos que partiram, Berta Nunes não se coíbe de abordar os que encontraram em Portugal ‘um cantinho’ para reconstruirem vida. Julga que Portugal “não está ainda bem preparado” para o fenómeno da imigração galopante, “mas tem de rapidamente avançar na integração destes imigrantes que são fundamentais para a economia portuguesa e para a demografia do nosso país”.

Prova das debilidades da hospitalidade são os processos de imigração pendentes na AIMA –Agência para a Integração, Migrações e Asilo e da importância destes imigrantes para a economia nacional e demografia são os números. Em termos demográficos, mais de 80% dos estrangeiros residentes correspondem a população potencialmente ativa e o maior grupo tem entre 25 e 44 anos. Vivem e trabalham maioritariamente nos distritos de Lisboa, Faro e Setúbal. No ano passado, contribuíram com mais de 2,6 milhões de euros para a Segurança Social. E num país cada vez mais envelhecido, os imigrantes são fonte de renovação. Segundo uma análise à imigração em Portugal veiculada pela CNN Portugal, mais de 20% dos partos ocorridos no ano passado eram referentes a mães estrangeiras. 

Neste seguimento, há áreas de atuação que a ex-secretária de Estado aponta a uma maior atenção por parte do Governo, para que estes imigrantes possam prosperar e o país beneficiar. “A legalização e a autorização de residência, assim como o reagrupamento familiar são a base”, começa por defender, acrescentando o problema da habitação. “Deve ser rapidamente resolvido e os serviços públicos devem ser reforçados para incluírem os cerca de um milhão de imigrantes que temos atualmente no nosso país”.

Imigrantes com parca participação na política

Os dados são apresentados por um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) e revelam que os imigrantes em Portugal têm uma baixa participação política. Apesar de representarem 9,8% da população residente em 2023, os estrangeiros correspondiam apenas a 0,3% dos eleitores recenseados em Portugal no final de 2024.

Dos mais de um milhão de estrangeiros residentes em Portugal em 2023, apenas 34.165 estavam recenseados (3,3%). Entre eles, 16.985 tinham adquirido a nacionalidade portuguesa, o que lhes garante o recenseamento automático (para os demais estrangeiros, a inscrição é voluntária). Estes números, comprometem igualmente a integração social destes cidadãos, levantando um problema. “Estamos perante um problema porque inscreverem-se para votar e participarem nas eleições de acordo com a lei é um fator de integração muito poderoso”, corrobora Berta Nunes.

Por último, olhando para o futuro das comunidades portuguesas e para os desafios globais atuais, a lamacense deixa uma palavra aos emigrantes feirenses. “Desejo que sejam muito bem-sucedidos e que nunca cortem a ligação à terra de onde partiram e que voltem e invistam, ajudando ao desenvolvimento da sua terra, o que aliás já se passa na atualidade. Agradeço-lhes o seu esforço e sacrifício e espero que no futuro a emigração seja mais uma escolha e não seja, como muitas vezes ainda é atualmente, uma necessidade”.

Assine agora
Márcia Soares
JORNALISTA | Licenciada em Ciências da Comunicação. A ouvir e partilhar as emoções vividas pelas gentes da nossa terra desde 2019.
    X