Conheci a ditadura até aos meus 20 anos, ou seja, nasci e cresci num regime fascista, mas tive a felicidade de beneficiar da “emancipação libertadora” para a liberdade que impediu que fosse chamado para a Guerra Colonial. Essa liberdade redentora, foi conseguida com a Revolução do 25 de Abril. Foi desabrochar dos valores da Democracia, Liberdade, Igualdade e a Fraternidade.
A seguir à Revolução, com um regime democrático, houve mudanças profundas nos hábitos e costumes das pessoas, que assustavam a vida dos nossos jovens, em especial na idade militar, que tinham que servir a Guerra no Ultramar. Com a instalação da democracia, foram criadas novas e boas oportunidades na vida das pessoas. O Regime mudou com a realização de Eleições Livres e Democráticas. A Guerra Colonial acabou e passou a existir mais justiça social, melhor saúde, igualdade de acesso à educação etc.
Teve destaque especial, a realização das primeiras eleições livres, onde foi eleita uma Assembleia Constituinte, da qual saiu a Lei fundamental da Nação: – “Constituição da República Portuguesa”-. O regime nela definido, foi da Democracia Representativa, suportado nos melhores quadros políticos de então, que foi muito importante na rejeição de algumas tentativas de mudança para modelos de democracia popular ou de centralismo democrático.
A presença na liderança dos Partidos e no Parlamento, de gente competente, culta, com conhecimento abrangente, transversal e, sobretudo, com experiência de exercício profissional e com inegável sentido ético e de serviço público, foi fundamental na consolidação do Regime Democrático.
No final da 1.ª década após o 25 de Abril, final dos anos 80, de forma particular os partidos do arco do poder, Partidos Socialista e Social Democrata, foram de forma crescente capturados por um carreirismo militante, que no decorrer do tempo, os seus aparelhos partidários, tornaram-se sindicatos de voto, dominados por “controleiros” que passaram a manobrar os “corredores do poder“ escolhendo os seus candidatos. Desta forma, a gente competente, culta, com conhecimento, com experiência de exercício profissional e com inegável sentido ético e de serviço público, questiona-se seriamente se deve participar activamente na política partidária!…
Tudo isto acontece e ao abrigo da chamada “democracia representativa”, donde surgiu uma casta de “políticos: os “Jotas” e outros, vindo das Juventudes Partidárias, em que por bons motivos, ninguém se revê. A mediocridade dos resultados obtidos é cada vez mais desoladora, porque os partidos que têm governado o país, se tornaram permeáveis a “oportunistas perversos”, onde é visível grassar a incompetência, a falta de capacidade crítica, chegando à prática de actos de gestão danosa versus corrupção, a que foram tendo acesso.
Cansados e impacientes com esta realidade, as populações andam descontentes com o sistema, reagem a esta degradação da democracia, abrindo portas a aventuras populistas radicais que cujo perigoso extremismo, corrói as virtudes da Revolução de Abril, cuja Democracia Representativa é posta em causa.
Entretanto, decorridos 50 anos após o 25 de Abril, fazendo uma breve retrospetiva a esse passado, sinto uma forte desilusão ao estado a que chegámos, devido aos erráticos percursos seguidos. A aplicação da Democracia Representativa, permite que os representantes do voto popular, que emergem de sindicatos de voto instalados nas Secções, nas Comissões Políticas Concelhias e Distritais, corrompem as mais elementares e básicas das regras democráticas, sem escrúpulos, para atingirem os seus objetivos de perpetuação no poder, que de quem são politico-dependentes.
É do conhecimento público que determinadas figuras dos aparelhos partidários a nível de Seção, Comissão Política ou Distrital, controlam a vontade de centenas de militantes nas suas estruturas, quando o universo geográfico representativo, se reduz a uma ou duas freguesias. Esta estratégia é um logro para qualquer tentativa de avançar com um projeto político sério a nível concelhio ou Distrital, porque o êxito do mesmo, depende do interesse de duas a três pessoas que controlam as estruturas. Isto é a negação da Democracia para citar um paradoxo:” Ditadura democrática dos Partidos”. Aliás, estas estruturas partidárias são blindadas, não fazem qualquer trabalho político que não seja pagar as quotas à maioria dos seus militantes, pois o interesse da sua existência é fundamental para que a estrutura seja estatisticamente um “forte sindicato de votos” para as grandes decisões do calendário político-partidário.
Todo este controlo, é ainda suportado nas redes sociais, onde se constroem narrativas reacionárias construídas em teorias de conspiração falaciosas, anulando o verdadeiro debate das ideias, acompanhadas por uma discussão racional das causas que deviam ser a prioridade da ação política.
Por último, este estado de degradação da democracia deve-se às práticas antidemocráticas acima citadas, que se estendem pela Europa fora. Perigosamente, abre as portas a todo o tipo de populismos, onde estes, aproveitam a onda de descontentamento, desilusão e desânimo, para descredibilizar o regime democrático, que foi conquistado com tanto sofrimento.