No dia 29 de janeiro de 2024 assistimos a uma anunciada passagem de testemunho no executivo municipal de Santa Maria da Feira. Emídio Sousa suspende o seu mandato, sendo substituído por Amadeu Albergaria, seu sucessor. Existe neste movimento um grande desconforto coletivo pela subjugação do princípio democrático que deveria reger a escolha de quem nos governa. E quando assim é, quem sai, sai pela porta pequena e quem entra, entra pela porta dos fundos. Mas o que nos leva aqui? O que leva Emídio Sousa, acérrimo defensor da primazia do poder local, a optar por liderar a lista distrital da Aliança Democrática (AD) com vista a um previsível cargo de Deputado da Nação? Existem dois fatores que me parecem estar na base desta decisão e que passarei a expor.
O primeiro é unicamente compreensível se considerarmos que Emídio Sousa colocou a sua ambição pessoal à frente dos interesses democráticos de todos os feirenses. A Lei 46/2005 de 29 de agosto estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais, definindo que Emídio Sousa está impedido de concorrer para um 4.º Mandato como presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira. Perante o final previsível do seu mandato como presidente de Câmara, é claro para todos que, desde a derrota eleitoral do PSD nas últimas eleições legislativas, Emídio Sousa se posicionou estrategicamente para poder assegurar um “lugar ao sol”. O que é incompreensível, e até inaceitável, é que tente iludir os feirenses com a justificação de que aceitou o convite da AD para fazer face à situação extremamente difícil que o país atravessa. Em vários momentos, Emídio Sousa apresentou-se como um acérrimo defensor do poder municipal, contra a regionalização e contra o centralismo, por achar que o poder municipal é o verdadeiro garante da democracia em Portugal. Contudo. abandona o projeto municipal que liderou para fazer parte de uma AD que não oferece soluções para os verdadeiros problemas do país. Mas não é o único na lista da AD por Aveiro a fazer o mesmo. Salvador Malheiro e Silvério Regalado, também em final de 3.º mandato, abandonam os seus municípios por um lugar na Assembleia da República. Parece que afinal a lógica endogâmica dos jobs for the boys também chegou à AD.
O segundo fator é ainda mais grave e necessita de algum enquadramento. O Centro de Investigação em Política Económica, criado em 1983, é uma organização pan‐europeia independente, apartidária e sem fins lucrativos. A sua missão é melhorar a qualidade das decisões políticas através do fornecimento de investigação política relevante aos decisores políticos, ao sector privado e à sociedade civil. Numa análise histórica dos processos eleitorais, os investigadores concluíram que os titulares de cargos têm maior probabilidade de obter uma reeleição, independentemente do seu desempenho no cargo ou da qualidade da oposição. Esta “vantagem de incumbência” torna as coisas mais difíceis para quem se candidata pela primeira vez e prejudica a concorrência democrática. E Emídio Sousa sabe disto por experiência própria. Se em 2017 e 2021 obteve vitórias confortáveis elegendo sete vereadores em 11, em 2013, aquando da sua primeira eleição, a margem de vitória foi muito menor. Ao promover a sua sucessão sem um ato eleitoral, Emídio Sousa faz uso do sistema democrático e atribui vantagem eleitoral a Amadeu Albergaria, quando este se venha a apresentar como candidato nas eleições autárquicas de 2025.
O que é facto é que Emídio Sousa abandona um projeto altamente pessoalizado, que agora vai ser conduzido por Amadeu Albergaria e que em quase 12 anos deixa o município de Santa Maria da Feira sem habitação acessível, sem bons salários, sem uma rede de transportes de qualidade, sem serviços públicos de qualidade, sem vias estruturantes, sem acessibilidades, sem políticas sociais, sem políticas ambientais e sem rumo. Muito pouco se espera do seu contributo futuro para o país e para o Distrito.
