Sandra Moreno (1977-2024)
Sociedade

Sandra Moreno (1977-2024)

Natural de Arrifana, nascida a 4 de maio de 1977, faleceu a 28 de junho de 2024, aos 47 anos. Dedicou o seu trabalho de jornalista à imprensa de Santa Maria da Feira, tendo desempenhado funções de diretora do Correio da Feira entre 2012 e 2014

“Acredito nas pessoas e nos negócios que assentam nas pessoas. E acredito que só assim se constroem negócios singulares que ajudam pessoas reais. Acredito na escolha, na liberdade, nas possibilidades, na entrega, no valor genuíno, na magia da transformação e nas histórias de verdade. Que tenhamos sempre boas histórias para contar”. Assim se apresentava Sandra Moreno à comunidade, através do seu LinkedIn.

Quase dois meses após ter celebrado o 47.º aniversário, Sandra Moreno, natural de Arrifana, deixou-nos, vítima de uma doença oncológica prolongada, não resistindo a um cancro que terá descoberto há sensivelmente quatro anos, cuja reincidência foi fatal.

Formada em Ciências da Comunicação, iniciou o seu trabalho de jornalista no Terras da Feira, em 1999, tendo permanecido cerca de nove anos naquele semanário. Em 2008, enveredou pela rádio, na Rádio Clube da Feira, tendo regressado à imprensa escrita dois anos mais tarde, chegando a assumir a direção do Correio da Feira, durante cerca de dois anos e meio. Em meados de 2015, voltou ao extinto Terras da Feira.

Uma carreira ligada ao jornalismo de proximidade, dedicada ao concelho de Santa Maria da Feira, passando por jornais concorrentes e pela rádio. Em 2018, criou o projeto ‘Sandra Moreno BrandStories’, empresa de criação de conteúdos “significativos, relevantes e inspiradores, para ajudar empreendedores e marcas (…) que queiram criar mais conexão com o seu público nas redes sociais, a contarem histórias com propósito”.

Filha de Lino Gomes Leite e Leonida da Conceição Silva Moreno Gomes Leite, Sandra Moreno deixa duas filhas ainda muito novas, a Matilde e a Maria Elisa. As cerimónias fúnebres realizaram-se em Arrifana, no dia 29 de junho, estando a missa de sétimo dia agendada para esta sexta-feira, pelas 19 horas, na Igreja Matriz.

Ex-colegas reagem ao falecimento

Foi há mais de uma década que o caminho de Jorge de Andrade, administrador do Correio da Feira, se cruzou com o de Sandra Moreno, quando Orlando Macedo a contratara para a redação do jornal. “Na primeira reunião que tivemos, foi cristalino para ambas as partes: ‘osso duro’, pensou cada um para si. Mais tarde, isso foi o mote de brincadeira entre os dois e quando discordávamos, acabávamos nesse dia: ‘algo me dizia que o senhor(a) não ia ser osso fácil de roer’”, revive Jorge de Andrade.

Posteriormente, Sandra Moreno assume o lugar deixado pela saída do então diretor, uma escolha natural devido ao estreitar da relação entre a jornalista e o administrador. Angustiado pela saída de Orlando Macedo, e sem perceber “nada de imprensa”, Jorge de Andrade depositou a responsabilidade em Sandra Moreno para liderar um jornal centenário e o administrador desdobra-se em elogios e agradecimentos.

“Para liderar uma equipa em torno de um projeto e saber gerir toda essa dinâmica é obrigatório perceber as suas valências e todas as suas fragilidades. É essencial ter paixão, ou pelo menos um elo que conduziu a essa paixão. Não tenho dúvidas que a Sandra Moreno e o Albino Santos foram esse elo; ligaram-me ao Correio da Feira: a Sandra na parte profissional, informação e jornalismo, o Albino em tudo o que é histórico e emocional. Foram conversas, tardes passadas com discussões e troca de opiniões, e foi crescendo respeito e consideração entre as partes. Estou-lhes muito grato”, partilha.

Uma relação profissional que se transportou para a vida pessoal. “Apesar da sua reserva, não foi só uma vez que me disse, ao entrar no meu escritório: ‘não venha ler os meus pensamentos, hoje não me apetece’. Ficou uma amizade com muita consideração e, da minha parte, como tive oportunidade de dizer pessoal e publicamente no meu discurso dos 115 anos do Correio da Feira, um profundo agradecimento. A imagem que tenho dela é vê-la encostada a uma coluna do salão, emocionada”.

Confidencia sobre uma conversa que tiveram recentemente. “Ligou-me para saber como me encontrava, mas, como não podia deixar de ser, eu é que lhe fiz as perguntas, ao que me disse: ‘agora está a ficar melhor, brevemente chateio-o para irmos lanchar e conto-lhe tudo…’”, partilha, deixando, por fim, uma mensagem a toda a família. “Aproveito para, em nome do Correio da Feira e pessoalmente, apresentar aos seus pais, às suas filhas e à restante família os meus sinceros e sentidos pêsames. Lamento a perda da mãe, da filha e da irmã. Possam os momentos mais belos e mais felizes das vossas vivências com a Sandra aplacar a dor desta dura perda. Peço a Deus que a receba na sua infinita misericórdia”.

“É uma perda dolorosa para a terra e para o jornalismo”

Vítor Hugo Carmo partilhou a redação com Sandra Moreno no jornal Terras da Feira, deixa uma mensagem de despedida saudosa e fala em perda dolorosa para Santa Maria da Feira e para o jornalismo. “A Sandra sempre foi uma profissional dedicada, com sentido apurado na forma como exercia um jornalismo de proximidade pragmático, sério e de enorme importância para os valores de um território. A sua sensibilidade para as causas sociais e humanas permitiu-lhe muitas vezes sobressair nos trabalhos que desenvolveu e também naqueles que liderou. Tive o privilégio de ser seu amigo de longa data. É uma perda dolorosa para a nossa terra e para o jornalismo. Um abraço sentido a toda a família e amigos”.

Sem conseguir dizer ‘não’ ao pedido do Correio da Feira, Augusto Malheiro falou da sua relação profissional e pessoal com Sandra Moreno, que viu ‘nascer’ para o jornalismo.

“A Sandra entrou na redação do Terras da Feira – que teve, então, seis jornalistas profissionais – para o seu verdadeiro estágio profissional. Vinha de uma escola superior qualquer, como vêm todos, convencida de que, com a licenciatura, sabia o necessário para ser jornalista, pois a teoria aprendida dar-lhe-ia essa condição. O que, como quem percebe ‘da poda’ sabe bem, não é verdade”, recorda.

Perante o desafio de entrar no mercado de trabalho de um setor de extrema importância para a vitalidade de uma sociedade livre, que possa expressar-se e que viva longe das amarras da censura, Augusto Malheiro destaca “uma das principais características da Sandra: a da vontade de aprender, a da vontade de evoluir”. “Fez bem esse caminho, evoluindo com a experiência que então havia na redação. E foi assim que chegou ao que caracteriza os jornalistas que têm orgulho da profissão e que têm como uma das máximas ‘antes quebrar que torcer’. Não foi, aliás, por acaso que chegou à direção do Correio da Feira. O que não é para qualquer um…”, prossegue.

“Aqui chegados… à irreversibilidade da partida. Não é fácil escrever textos destes. Fico sempre com a sensação de que quem lê acha que não somos capazes de os escrever sem fazer elogio. E isso apavora-me. Mas tenho a certeza de que seria incapaz de escrever o que não sinto. E, dito isto, apetece-me dizer que foi uma honra ter partilhado a redação – e a vida terrena – com a Sandra. Como foi uma honra ter tido a oportunidade de transportar a urna para a última morada, com a particularidade de ter juntado, nesse momento, a antiga equipa do Terras da Feira, mesmo que ninguém tivesse combinado o que quer que fosse. O que valeu, pelo menos, para que todos atestássemos que a Sandra deixou marca nas nossas vidas”, orgulha-se.

Finaliza com uma mensagem emotiva. “É comum ouvirmos quem diga que a ‘vida é madrasta’ ou ‘injusta’ sempre que alguém parte antes do tempo, como é o caso da Sandra, que nos deixou ainda na flor da idade. Com o que eu não concordo, de todo. Todos morreremos, um dia. Mas não importa, porque a vida não morre”.

Foi “há já muitos anos” que Orlando Macedo, ex-diretor do Correio da Feira, conhecera Sandra Moreno, num evento relacionado com a Viagem Medieval. “Na altura, já era saudavelmente atrevidota e abordou-me com uma questão qualquer relacionada com o meu abandono do projeto Terras da Feira. Mais por provocação que por curiosidade, tanto quanto me lembro”, recorda.

Na sequência deste episódio, passou a acompanhar o trabalho de Sandra Moreno “com alguma atenção, tendo reparado que estava ali alguém com elevado potencial, apesar do feitio danado que sempre teve”. “Lembro-me de que quase sempre que nos encontrávamos em serviço, a provocava com chamadas de atenção relativamente a aspeto da sua escrita. Invariavelmente, reagia mal, agarrando-se a qualquer argumento que servisse para me contrariar. Era capaz de ficar sem me dirigir a palavra por longos períodos. No entanto, tenho de sublinhar que, nela, era exatamente a atitude genuína o que mais me agradava”, prossegue.

Sem “pachola para assinar conveniências redondinhas” e sem a canonizar, refere ser “necessário reconhecer que a Sandra raramente era boa-de-assoar”. “Teimosa até quase às últimas consequências, tanto era capaz de ‘desarrincar’ um texto, uma entrevista, uma ideia editorial, merecedores dos maiores encómios, como – por vezes – se deixava perder nos labirintos da profissão”.

A Sandra que conheceu, diz, “fez-se jornalista por si própria e apesar da matriz algo redutora que lhe marcou o início da carreira, tinha – à espera de polimento – todos os predicados para ser uma jornalista de topo em qualquer meio de comunicação social nacional”. “As vicissitudes da vida e o facto de no início da sua carreira não ter sido ajudada a perceber e interpretar os mistérios e as responsabilidades da profissão, deixaram-na algumas vezes sem chão, entregue a si própria”.

“Senhora de um humor às vezes corrosivo, a Sandra Moreno que conheci era voluntariosa, teimosa e intempestiva às vezes. Para mim, três qualidades absolutamente necessárias ao exercício da profissão de jornalista. Mas também a melhor jornalista regional com que trabalhei. E nunca irei perdoar-me por não lho ter dito quando deveria. Culpa minha, claro, mas também da vida cruel que mais uma vez a atraiçoou, abandonando-a cedo de mais”, finaliza.

[DR]

“Foram tardes passadas com discussões e trocas de opiniões e foi crescendo respeito e consideração entre as partes. Estou muito grato. Ficou uma amizade com muita consideração da minha parte. Lamento a perda. Possam os momentos mais belos e mais felizes da vivência com a Sandra aplacar a dor desta dura perda”

Jorge de Andrade, administrador do Correio da Feira

“A sua sensibilidade para as causas sociais e humanas permitiu-lhe muitas vezes sobressair nos trabalhos que desenvolveu e também naqueles que liderou. Tive o privilégio de ser seu amigo de longa data. É uma perda dolorosa para a nossa terra e para o jornalismo. Um abraço sentido a toda a família e amigos”

Vítor Hugo Carmo, jornalista

“Uma das principais características da Sandra: a da vontade de aprende, a da vontade de evoluir. Foi uma honra ter partilhado a redação – e a vida terrena – com a Sandra. Como foi uma honra ter tido a oportunidade de transportar a urna para a última morada, com a particularidade de ter juntado, nesse momento, a antiga equipa do Terras da Feira”

Augusto Malheiro, ex-diretor do Terras da Feira

“Senhora de um humor às vezes corrosivo, a Sandra Moreno que conheci era voluntariosa, teimosa e intempestiva às vezes. Três qualidades absolutamente necessárias ao exercício da profissão de Jornalista. Foi a melhor jornalista regional com que trabalhei e nunca irei perdoar-me por não lho ter dito quando deveria”

Orlando Macedo, ex-diretor do Correio da Feira

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Marcelo Brito
JORNALISTA | Curioso assíduo, leitor obsessivo, escritor feroz e editor cuidadoso, um amante do desporto em geral e do futebol em particular.
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