Santa Maria da Feira, a Cidade Encantada: Parte III
Opinião

Santa Maria da Feira, a Cidade Encantada: Parte III

No artigo anterior lançou-se o desafio no sentido de se equacionar a conceção de um cluster de turismo, assente no diálogo e na obtenção de consensos entre vários concelhos. A criação de uma relação win-win sustentada pela seleção de um conjunto de lugares a visitar que, no seu todo, evidenciassem património cultural e natural emblemático e suficiente para o prolongamento das estadias dos que visitam a região: dormir nos nossos hotéis, experienciar mais vezes e em maior diversidade os nossos restaurantes e, no geral, potenciarem os consumos de todo o tipo de comércio e serviços. O dito cluster emanaria assim uma perspetiva multifacetada de uma região que ainda assim partilha um conjunto de traços comuns que lhe conferem um outro nível de identidade e a distingue de outras regiões. Desta oferta, constituída por recursos naturais e culturais, resultariam assim duas vertentes: 1) o que é único de cada lugar e 2) o que é transversal a todos eles… e que interessaria também conhecer, aprofundar e divulgar enquanto ADN da região, o que numa perspetiva de marketing, revestiria o caráter de uma marca (região) com várias submarcas (concelhos). Um conceito que é seguramente mais fácil de se sugerir do que de se operacionalizar e que pode inclusive ser pouco atrativo, à primeira vista. Sim…porque nestas coisas, está-se sempre de “pé atrás”…ciosos que somos do que nos pertence e desconfiados por natureza das boas intenções dos vizinhos…E depois, também porque dificilmente algum dos concelhos quererá dar o “pontapé de saída” a tal “agrupamento”, receando-se porventura alguma conotação menos favorável. Além disso, conseguir-se “falar a mesma língua”: o que se pretende? (objetivos), como alcança-lo? (estratégia), chegar-se a consensos …É o que se pode chamar um verdadeiro “bico de obra”. A dificuldade que se perspetiva na projeção de cenários quanto aos impactos financeiros, entre outros, poderá ser igualmente dissuasora…

Todavia, quanto a estes constrangimentos, importa relembrar que, se por um lado existem casos de sucesso a estudar e a adotar, como referenciais, por outro, pode-se sempre tentar recorrer a uma entidade externa que assuma a função de mediação …assim como o desenvolvimento do próprio esboço da estratégia, bem como à criação de uma comissão ou task force que integre representantes dos concelhos em causa para a definição de um plano de ação…ou um outro qualquer modelo que assegure isenção ao processo e garanta envolvimentos versus ganhos equilibrados e justos para todos. Por outro lado, importa ultrapassar-se ainda um outro tipo de barreira à constituição do referido cluster. Trata-se do que se pode chamar: attachement e que se pode considerar, no caso, no orgulho em ser-se feirense, nas raízes, nas tradições e grosso modo, na terra, o que sendo um sentimento muito positivo, se deve afastar de uma natureza…(essa menos boa) que impeça a recetividade para que se façam alianças e eventualmente uma ou outra cedência; que seja um obstáculo, por assim dizer, ao desenvolvimento das economias locais e regionais; que possa conduzir à entropia.

A constituição deste cluster regional pressupõe assim “deixar cair” uma série de pressupostos ou preconceitos que atuam como agentes bloqueadores: a ideia que “somos melhores”, a ideia que “não precisamos de ninguém”, a ideia que os outros “não são tão corretos como nós”, acreditar no processo e confiar nos parceiros. Nesta perspetiva que visa o reforço da atratividade, por via da coesão territorial, importa ainda equacionar a integração da oferta regional no conjunto mais vasto de ofertas concebidas e divulgadas pela TPNP- Turismo do Porto e Norte de Portugal que, há pouco, anunciou nos órgãos de comunicação social o arranque, para breve, do Smart Destination. Um projeto, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que ascende aos dois milhões de euros e que permitirá identificar em detalhe as preferências de cada mercado, qual o tipo de produtos os turistas adquirem ou quanto tempo passam em média em cada destino. Com a colaboração das Universidades do Minho, de Aveiro e da Business School da Universidade do Porto, o TPNP procura munir-se de dados para a conceção de estratégias mais eficazes ao nível da dinamização do mercado turístico e, assim, alavancar os resultados das PME do setor, como sejam as empresas de animação turística, de restauração, de alojamento e agências de viagem, mas também de todos os tipos de empresas fornecedoras de produtos e serviços imprescindíveis ao funcionamento das primeiras.

O contributo das instituições de ensino superior para a realização de estudos é um “must have” desta equação, como se vê. Corpos docentes e discentes assumem um caráter estratégico neste tipo de projetos, muitas das vezes enquadráveis na produção científica das instituições e dos trabalhos académicos dos estudantes, como é o caso das dissertações de mestrado, numa diversidade significativa de áreas em que se destacam o turismo, a gestão e o marketing. Interessará ainda destacá-lo, se se equacionar o impacto que a qualificação profissional dos recursos humanos, afetos aos stakeholders de diferentes sectores de atividade, tem sobre o nível de qualidade dos respetivos desempenhos; sobre o potencial de inovação e, dito isto; sobre a competitividade e sustentabilidade das PME’s direta ou indiretamente relacionadas com o turismo. Neste sentido, é legítimo afirmar-se que o Smart Destination resulta da consciência da importância do turismo na sociedade contemporânea, enquanto fenómeno que veio para ficar e com uma abrangência de caráter universal, em que todos somos seu público-alvo (dos juniores aos seniores e dos mais abonados aos mais remediados). O turismo é cultura, é natureza, é conhecimento, é diversão e aventura, é descanso, é fuga à rotina…é uma forma de sentirmos que estamos vivos e que, estamos a conhecer o melhor que pudemos o mundo em que vivemos. Numa aceção económica é efetivamente um life style que veio para ficar e que pode compensar perdas associadas ao declínio do setor secundário, gerar a criação de novos negócios e alavancar os existentes, aumentar as taxas de emprego, impulsionar a requalificação das cidades e de outros lugares e melhorar a qualidade de vida das populações.

Ora, no fundo e em jeito de conclusão, perspetivam-se dois níveis geográficos de redes de trabalho: um primeiro nível de maior proximidade física e que abrange concelhos próximos, como sejam os que se consideram ao nível do então conhecido NUT-Núcleo de Unidade Territorial do Entre Douro e Vouga, uma região, ou sub-região se preferirmos, que agrega os concelhos de Santa Maria da Feira, São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Vale de Cambra e Arouca e os que integram a marca Porto e Norte de Portugal…

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