Trasladação de Eça de Queiroz para o Panteão: “Falhámos a vida, menino”?
Artigos por Jornalista Opinião

Trasladação de Eça de Queiroz para o Panteão: “Falhámos a vida, menino”?

Gustavo de Sousa Tavares Pé D´Arca

PSP Trainee no GBS da Faurecia. Mestre em Marketing (ISCA-UA)

O nome Eça de Queiroz tem vindo a ser alvo de discussão nos últimos meses. Estranhamente, não vem numa conversa associada ao seu legado: a literatura; mas sim a uma possível trasladação do seu corpo para o Panteão Nacional, em Lisboa.

Eça de Queiroz dispensa apresentações, todos nós conhecemos o seu nome. Quer num primeiro contacto (mais formal) nas aulas de Português, ao ser abordada a sua “obra-prima”, “Os Maias”, sendo, normalmente, pedido pelos professores a leitura da obra. Trata-se nada mais nada menos que um livro com mais de 700 páginas. Pessoalmente, apesar de ter um conhecimento abrangente da obra e de ter noção do seu grande valor, nunca a li na íntegra. São raros os livros que li com tal dimensão.

Voltando ao autor, o seu trabalho vai para além d´Os Maias. Das diversas obras, destaco “O Crime do Padro Amaro”, “O Primo Basílio”, a “Relíquia” e “A Cidade e as Serras”. O seu trabalho não é esquecido, tendo levado a adaptações no cinema, teatro e na televisão. O autor esteve igualmente associado a um grupo, conhecido como a “Geração de 70”, composto por jovens cosmopolitas, liberais e progressistas que procuravam revolucionar a literatura e a sociedade cultural portuguesa da época.

Para além de romancista, Eça de Queiroz destacou-se como jornalista, repórter internacional, e diplomata, tendo exercido a profissão ao ocupar o cargo de cônsul nas cidades de Havana, Newcastle, Bristol e Paris. Foi este distanciamento crítico que a experiência de vida no estrangeiro lhe permitiu que concebeu a maior parte da sua obra, dedicada à crítica da vida social portuguesa. O autor viria a morrer de forma prematura (aos 54 anos) e longe da sua terra natal (Póvoa de Varzim), no ano de 1900, na Cidade das Luzes: Paris.

Feita uma nota da vida do autor, tem-se vindo a falar numa trasladação do seu corpo, que está sepultado em Santa Cruz do Douro, concelho de Baião, no distrito do Porto, para o Panteão Nacional, ficando junto de outras personalidades marcantes: Amália Rodrigues, Eusébio da Silva Ferreira, Humberto Delgado e Sophia de Mello Breyner Andersen. No entanto, tal mudança tem levado a uma divisão de opiniões: a quem concorde, há quem discorde.

O surgimento da iniciativa veio pela mão da Fundação Eça de Queiroz, e que já tinha recebido o aval positivo da Assembleia da República. Afonso Reis Cabral, o trineto do autor e dirigente da Fundação, afirma que não há “nada que indique uma vontade pessoal” nem “nenhum testamento” que confirme que o escritor quisesse ficar em Baião. “Eça esteve 90 anos em Lisboa e apenas por uma contingência passou muito dignamente para Santa Cruz do Douro, em Baião, onde está”, defendeu. É importante referir o caráter legislativo que define e regula as honras de Panteão Nacional, sendo destinadas a “homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país (…) na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística…”.

Já a família de Eça de Queiroz, dos 22 bisnetos, 13 concordaram com a trasladação para o Panteão Nacional, havendo ainda três abstenções. Seis opuseram-se e avançaram com um pedido de providência cautelar no Supremo Tribunal Administrativo para impedir a trasladação, considerando o Panteão “um lugar mal frequentado e que o bisavô não deveria ficar ao lado de um futebolista e de uma fadista”. Pedro Delgado Alves, deputado do PS e coordenador do grupo de trabalho da Assembleia da República para este assunto, disse que o Supremo Tribunal “concluiu que, por um lado, não há nenhuma manifestação de vontade do próprio Eça de Queirós que permita concluir a sua vontade de ser sepultado ou em Santa Cruz do Douro ou em Lisboa, e em segundo lugar, entende que os seis bisnetos que interpuseram esta providência cautelar representam apenas uma minoria dos familiares” (in RTP Notícias).

Família de Eça de Queiroz em conflito pela trasladação para o Panteão -  Vida - SÁBADOAté ao momento (artigo escrito a 1 de outubro), ainda não se chegou a uma decisão. A meu ver, estou plenamente de acordo com a trasladação do autor. Faz todo o sentido homenagear alguém que tanto enriqueceu a literatura, e, por conseguinte, a cultura portuguesa. Mesmo que tenha sido um crítico da vida social portuguesa, acredito que o fez como forma de expandir os horizontes do país e abrir os olhos dos portugueses, e não somente com o intuito de denegrir o país. Voto para a Eça de Queiroz no Panteão.

Assine agora
Gustavo Tavares Pé D'Arca
COLUNISTA
    X