Mário Pereira
Vivemos num mundo em que homens como Ricardo Salgado vêem uma acusação por negligência, na aplicação de medidas de prevenção contra branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo em sucursais estrangeiras do BES, anulada porque os 30 dias úteis que a defesa dispunha para analisar um processo de sete volumes com mais doze mil folhas e 32 pastas em formato digital não eram suficientes. A sério? É assim tão simples? Não há tempo para analisar o processo e por isso anula-se a acusação?! Quando estamos a falar de possível branqueamento de capitais, financiamento de terrorismo e sabe-se lá mais o quê? No entanto, neste mesmo mundo, um homem que rouba 15 chocolates no valor de 23,85 euros vai a tribunal, é condenado a 90 dias de prisão, que converte em 90 horas de trabalho comunitário, e aí a acusação não fica satisfeita, recorre, dá origem a novo processo em tribunal e a pena do homem aumenta para um ano de prisão com pena suspensa pelo mesmo período de tempo. Neste caso, já acharam que valia a pena o custo de dois processos em tribunal para condenarem um homem que roubou 23,85 euros de chocolates.
Vivemos num mundo em que 130 crianças iemenitas morrem diariamente por desnutrição. Só este ano, na Nigéria, podem chegar às 450 mil crianças a sofrer de má nutrição aguda, às 185 mil na Somália e actualmente no Sudão do Sul a contagem vai em 270 mil. Na Venezuela, o Governo apagou dos seus registos a morte de mais de 11 mil crianças, com menos de um ano de idade, relativas ao ano passado, em que mais de 400 dessas mortes foram por má nutrição, num universo de 2800 crianças que sofrem dessa condição, o que levou o Governo a proibir o diagnóstico de desnutrição em mais uma tentativa de encobrir estes números alarmantes. Mas nós achamos imperativo o debate sobre o direito de um animal de estimação de entrar num restaurante.
Um mundo em que apregoamos um único e verdadeiro Deus, debatemos a sua mensagem de paz e misericórdia, mas as mortes em seu nome nunca terminam. Um mundo em que somos todos iguais, mas uns dormem em mansões e outros nas calçadas.
Vivemos neste mundo em que o Estado não teve problemas em despender milhões para erguer estádios de futebol, mas tem uma dificuldade terrível em indemnizar as pessoas que ficaram sem nada nos incêndios, situação na qual o próprio Estado não está isento de culpas, e que mais de meio ano depois continuam sem ver um tostão. Neste mesmo mundo em que agora tão afincadamente andam em cima dos proprietários de terrenos e forçam a sua limpeza, o que não digo que esteja errado, mas nunca os vi tão acérrimos quando se tratava de identificar, apanhar e fazer pagar os verdadeiros culpados por trás da tragédia dos incêndios.
Um mundo em que o ensino exige cada vez mais dos alunos, mas os professores trabalham cada vez menos horas. Onde a qualidade do ensino público degrada-se a cada ano que passa, levando-nos numa direcção em que, à imagem do que acontece na saúde, em breve uma boa formação estará apenas ao alcance dos bolsos mais profundos. Um mundo onde as greves parecem ser a mãe de todas as soluções.
Vivemos num mundo que tem que acabar. Este é o mundo em que vivemos, mas não é o mundo que precisamos. É preciso deixar o passado morrer, limpar a tela, começar tudo de novo. Porque o mundo que precisamos é aquele onde vivem Homens com a coragem e a determinação para fazer o que tem que ser feito, o que é certo, o que é justo, o que é necessário. Precisamos pensar fora da caixa, deixar para trás o hábito, o habitual, o padrão, o faz como vires fazer.
Só temos uma vida, esta, uma única oportunidade. Acertar à primeira tem de ser o único caminho, dar o melhor, dar tudo, dar agora.
Em tempos, um homem teve um sonho, eu ainda tenho esse sonho, que um dia nos ergueremos, não como nação, mas como Homens. Não fomos todos criados iguais, mas podemos moldar este mundo para que um dia os que virão depois de nós possam todos viver como iguais.
A questão que fica é: Podemos nós, humanidade, parar de olhar apenas para dentro e olhar para fora, parar de pensar só no eu e pensar no nós, temos a capacidade de estender a mão para dar e não só para tirar, temos em nós a capacidade para evoluir e não apenas para destruir?
Eu espero que um dia se prove que a resposta é sim, porque se for não, então a verdade é que este mundo ficava melhor sem nós.