Ainda não tinha 25 anos quando me mudei para Lisboa, para trabalhar como assessora no Grupo Parlamentar do PCP. Não era um ‘emprego’, mas uma tarefa – a luta institucional para responder à classe que escolhi defender. Assim, saí de um estágio de uma das maiores sociedades de advogados do país e rumei ao Parlamento.
A primeira vez que entrei no edifício senti uma enorme responsabilidade – foi ali aprovada a Constituição de 1976. Fiquei a apoiar as áreas da Segurança Social, Trabalho, Administração Pública, Justiça, Igualdade, Ambiente e Juventude. Os corredores do andar onde estava nunca foram particularmente acolhedores, mas subir ao andar do plenário era verdadeiramente incomodativo. Ao passo que ficava a trabalhar horas seguidas, PS e PSD enchiam a bancada às quartas e quintas, de gente que nunca via e nunca ouvi falar.
O período em que ali trabalhei – oito anos – foi particularmente importante e paradigmático na história parlamentar: acompanhei a maior revisão ao Código do Trabalho e a destruição de direitos que ainda permitiam alguma dignidade ao trabalhador, a destruição do vínculo e carreiras na Administração Pública, à redução criminosa das prestações e pensões sociais. Cabia-me ler, compreender, pensar e redigir, e três dos diplomas fundamentais dos direitos laborais e sociais foram alterados nessa altura. Era, apesar de frequente, bastante penoso e frustrante escrever 385 propostas de alteração ao Código do Trabalho, despachadas em menos de uma semana – todas recusadas. O argumento? “Temos maioria absoluta”.
Confesso que durante vários anos custava-me saber que tinha de ir – podíamos ter toda a razão, jamais aprovariam propostas do PCP. Assisti à transição de governos e a mais cortes, de subsídios de natal e férias, à alteração profunda das relações de trabalho, degradando a réstia dos direitos já conquistados, mas que sabia que havia quem jamais abrisse mão.
Hoje, o Parlamento mais parece uma taberna. Ao fim de oito anos saí: brincar às democracias não tem piada. Apresentam-se dezenas de propostas e a resposta é sempre a mesma. É ‘não’, porque podem dizer ‘não’. Levei muito mais vezes a Feira e os nossos problemas ao conhecimento do Governo do que eleitos. Reconheço que foi uma experiência muito importante, que me fez crescer imenso e aprender muito. Trouxe-me pessoas muito importantes e permitiu-me trabalhar com duas que serão sempre referências incontornáveis: Odete Santos e Honório Novo.
É com vergonha que vejo no que se tornou o Parlamento. Mas só está assim porque assim se escolheu. Da próxima vez que alguém sofrer com mais injustiças, lembrem-se que nós somos mais. E somos nós que votamos. E que temos o direito de fiscalizar e exigir. Escolhi o meu lado da barricada, mas também escolhi não fazer parte de estruturas viciadas e totalmente alheadas da realidade. E vocês? Gostaria de depositar a confiança que a hora é agora e que são vocês que vão dizer ao Governo quem manda.
Voltei ‘à barriga da mãe’, às raízes, à nossa terra, onde estive tantos anos na Assembleia Municipal. E somos ainda muito poucas as mulheres com condições de participar em igualdade. Mas também sei do que somos feitas. E espero que nos encontremos nas próximas reuniões públicas de Câmara e Assembleia. Porque jamais deixarei de lutar pela nossa terra, porque não quero deixar este mundo estranho ao meu sobrinho e à minha irmã. E o que os nossos pais passaram, exige de mim que nunca desista. Cá estaremos, não é?