Viagem à Feira dos Vinte
Opinião

Viagem à Feira dos Vinte

Há muitas dezenas de anos, por volta da década de sessenta, ainda eu era criança e acordava de madrugada com o barulho dos feirantes a montarem as suas tendas.

Vendiam, entre tantas outras coisas, alfaias agrícolas, tecidos, calçado e brinquedos feitos em folheta (o plástico ainda não era conhecido). Também havia negociantes de gado para o trabalho agrícola e vendedores de animais para consumo, como suínos, coelhos e galinhas. Era uma algazarra de grunhidos à mistura com o cacarejar das galinhas.

Como eu vivia no Rossio, do meu quarto tinha uma vista privilegiada para o largo em frente a minha casa, onde se realizava a feira, à sombra dos frondosos plátanos.

Os anos foram passando e, apesar da melhoria das condições do recinto, que em vez de terra batida passou a ser de paralelepípedos de granito, a feira entrou num processo lento de esvaziamento.

Nos anos setenta, à medida que a agricultura foi sendo abandonada por falta de mão de obra para trabalhar a terra em favor da expansão da indústria, a feira deixou de ser encontro de lavradores. A emigração também teve o seu contributo neste esvaziar progressivo de agricultores. Na verdade, a indústria capitalizou muita mão de obra devido às melhores condições de trabalho e melhores salários. O gado e as alfaias agrícolas foram os primeiros produtos a desaparecer.

Entretanto, o pronto a vestir e consequentemente as grandes áreas comerciais foram atraindo a atenção dos consumidores.

Anos mais tarde, a feira mudou de local, passando a realizar-se no parque de estacionamento, junto à Cerci,, mas já estava num processo de decadência. A sua importância como feira mensal foi decaindo cada vez mais.

Atualmente, só alguns comerciantes ainda resistem. Efetivamente, a autarquia tem dado pouco apoio na promoção da feira e os encargos dos feirantes são pesados, tendo que lutar contra a concorrência desigual.

Numa recente visita à Feira dos Vinte, em conversa com alguns feirantes, constatei que estes lamentam o abandono, mas mesmo assim, prometem resistir ao calor, ao frio e à chuva, até quando lhes for possível. A nossa Feira dos Vinte vai sendo votada ao esquecimento, mas por parte de quem? Interrogam-se os feirantes, os quais, apesar do desânimo, ainda têm tempo para dizerem alguma graçolas, continuando a tratar as senhoras por meninas.

Até um dia…

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José Santos

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COLUNISTA
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