Santa Maria da Feira, a Cidade Encantada e os seus pozinhos de Perlim…
Opinião

Santa Maria da Feira, a Cidade Encantada e os seus pozinhos de Perlim…

Janeiro… a magia do Natal, com o seu mercado, o circo e o mundo encantado do Perlim, dissipa-se, deixando antever o vazio deixado pela falta das iluminações, dos tapetes vermelhos às portas dos estabelecimentos comerciais e das suas vistosas montras. Espera-nos, neste ciclo anual de início do ano, como em todos os outros, mais chuva, frio e os saldos, num ambiente consternado, em que tudo parece ter perdido o anterior glamour… Mau grado a proximidade da festa anual em honra do S. Sebastião, o nosso mártir, a cidade entra na sua cândida rotina… permitindo que o cinzento inverno se instale.

Mas não é por acaso que trago este assunto agora. Nesta quadra, Santa Maria da Feira esteve mais bela do que nunca…e foi com muito orgulho que mostrei as iluminações das ruas, excertos do Perlim e do circo, em vídeo, a amigos outlanders. Claro, que as festividades só são valorizadas porque a “festa” é a exceção e não a regra, mas… e se a cidade pudesse manter um pouco dessa “magia”, ao longo do ano, conquistando assim um efetivo estatuto de destino turístico? atraindo gente que pernoitasse nos seus alojamentos e contribuísse para uma restauração, comércio e serviços economicamente mais sustentáveis? Mas e como? …

Os recursos culturais visitam-se em relativamente pouco tempo e os naturais por mais belos que sejam, será que conseguem competir com os de regiões como as do Gerês ou Douro ou, para não irmos mais longe, com os da vizinha Arouca? Por mais Feirenses que sejamos, todos sabemos a resposta: não há oferta turística capaz de atrair turistas e muito menos de os reter. Não temos propriamente uma cidade, como o Porto (isto para nos cingirmos apenas ao norte do país), relativamente à qual se fala já de overtourism, com Nazoni e Siza, rio, mar, uma história ligada ao emblemático vinho do Porto e ao liberalismo de D. Pedro… com lojas em ruas icónicas, diversos meios de transporte e storytellers à medida das carteiras de cada um…. Mas então que estratégia adotar?…

São diversos os estudos realizados sobre os desafios associados à transição das cidades a destinos turísticos, de entre os quais destacamos aqui, apenas dois.

O primeiro desafio a assinalar, incide sobre a adaptação do património a um desenvolvimento urbano sustentável que respeite a respetiva essência: valores, autenticidade e identidade e em simultâneo se repercuta num impacto positivo profundo para as comunidades locais, em termos de ganhos económicos, sociais e ambientais.

Segue-se-lhe, a necessidade de os recursos mobilizadores de atratividade estarem rodeados de um conjunto de serviços de suporte que acrescentem conforto à experiência. Na verdade, ainda que a cidade seja atrativamente percecionada face à presença de determinados equipamentos ou atributos, há todo um conjunto de outros “requisitos” a cumprir, tais como ambientes cuidados, espaços urbanos abertos, entretenimento, bares e restaurantes, espetáculos, artes e emoções.

Tendo em conta a competitividade e instabilidade do ambiente em que se opera, importa apontar-se como resposta aos desafios colocados, soluções que permitam economias de escala e complementaridades resultantes do envolvimento das micro, pequenas e médias empresas a intervir na região, direta ou indiretamente, impactadas pela respetiva capacidade de atrair e de reter turistas.

Pretende-se com isto dizer que provavelmente uma cidade como Santa Maria da Feira tem maior facilidade em assumir-se como destino turístico urbano, ao associar-se a outros territórios, o que nos remete para um modelo de trabalho em rede e para o conceito de cluster de turismo, isto enquanto concentração geográfica de empresas e instituições interrelacionadas nas atividades de turismo. A referida estratégia, além de permitir agregar recursos, proporcionando uma oferta mais substancial e diversificada, potencia a competitividade, inclusive, a nível global.

Importa, por outro lado, destacar a importância da aprendizagem, gerada entre os intervenientes nesse trabalho conjunto, para a inovação, fator a privilegiar não só quando os destinos turísticos entram em declínio, mas em todas as suas fases de desenvolvimento, isto tendo em conta que, como turistas, somos cada vez mais individualistas, seletivos e voláteis nas escolhas que fazemos e que o volume e crescente sofisticação da oferta à nossa disposição, nos torna mais insatisfeitos e exigentes. Uma resposta que é, por conseguinte, uma estratégia de antecipação, por parte do destino, face às potenciais perdas de atratividade dos recursos que tenha vindo a disponibilizar e ao surgimento de outros em destinos distintos.

O caráter local/regional das redes estabelecidas é ainda outro dos fatores a privilegiar, tendo em conta que contribui para um clima de maior confiança quanto à salvaguarda de valores fundamentais para o território. Além do mais, as evidências dos estudos realizados permitem-nos afirmar que o envolvimento das comunidades que rodeiam geograficamente os recursos mais procurados da oferta, a que a rede respeita, através de ações específicas de sensibilização, favorece a longevidade das cidades como destinos turísticos.

No caso em particular dos destinos turísticos urbanos, o trabalho de cooperação em rede contribui para diluir a tendência para se transformar os núcleos das cidades em realidades parciais e fragmentadas ou em “bolhas turísticas”, resultantes da excessiva concentração de visitantes num número limitado de recursos e de espaços, causadoras da subutilização de um vasto conjunto de lugares alternativos, privando-os do seu real sentido enquanto peças de um tecido urbano mais extenso e complexo. A introdução de complementaridades à oferta proporcionada pelos destinos, como resultado da constituição de redes de trabalho ou da integração de novos players, pode, sobretudo se tal se repercutir na afetação de recursos únicos e distintivos, com atributos inimitáveis, reduzir o impacto da sazonalidade em turismo, potenciar primeiras e segundas visitas e a respetiva duração.

Num cenário em que queiramos pôr mãos à obra: deixar uns pozinhos de Perlim ao longo do novo ano, dever-se-á verificar o que já se conseguiu até agora (o que, diga-se, não foi pouco!) e o que podemos potenciar face ao que aqui se consideraram principais desafios… Quanto às soluções apontadas…os estudos dos académicos fornecem-nos muita conversa, é certo, mas também informação sobre a respetiva operacionalização. Conto, por isso, com o vosso interesse e atenção para o próximo artigo: Santa Maria da Feira, a Cidade Encantada…pois é sobre como fazê-lo, a que se irá dedicar.

Votos de um bom ano e até breve!

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